“Só quem pegou sabe como é”: morador da Vila Cruzeiro relata experiência com Covid-19

Marco Aurélio é uma das 351 pessoas recuperadas de Covid-19 na Penha
Marco Aurélio, morador da Vila Cruzeiro, favela do Complexo da Penha, na Zona Norte do Rio. Foto: acervo pessoal
Marco Aurélio, morador da Vila Cruzeiro, favela do Complexo da Penha, na Zona Norte do Rio. Foto: acervo pessoal

Os moradores das favelas não escaparam do novo coronavírus. De acordo com o Painel Covid-19 nas Favelas do Voz das Comunidades, são 4.043 casos confirmados, 620 óbitos e 3.316 recuperados em 25 favelas do Rio de Janeiro. Marco Aurélio, morador da Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, é uma das 351 pessoas recuperadas dos 389 casos de Covid-19 na Penha e relata: “Só quem pegou sabe como é.”

Marco Aurélio, de 42 anos, trabalha como vigilante no Complexo Estadual de Saúde da Penha – Hospital Estadual Getúlio Vargas e UPA Penha 24h. A esposa dele, Alessandra Oliveira, também trabalha no local como enfermeira e, ambos testaram positivo para Covid-19. “A gente nunca deixou de acreditar que ia pegar, a gente trabalha na área da saúde e corre o risco de tudo”, conta Marco.

A esposa de Marco apresentou os sinais da doença primeiro, teve sintomas graves e levou dois meses para se recuperar. “Ela ficou muito mal, pensei que ia perder minha esposa, pensei que ela ia embora.” Os sintomas de Marco apareceram logo em seguida e foram 22 dias para se recuperar das dores de cabeça, dor de garganta, dor no corpo, tosse, febre, falta de ar, perda de olfato e paladar.

Teste 3

Durante 22 dias a saudade aumentava para Marco, que precisou se isolar dos amigos e familiares, inclusive de Alessandra. “Eu sempre entrava em contato com a minha esposa. Cada vez mais eu via que ela tava complicada, mas ela não queria mostrar para mim e eu não queria mostrar para ela que estava mal. Minha filha me ligava e eu falava que tava bem, mas era mentira. Eu fui me recuperando, fui me levantando por mim, pela minha esposa e pelas minhas filhas que não podiam ficar doentes. Acho que isso serviu para juntar mais a família. Não foi a melhor coisa, mas precisou acontecer para juntar a família.”

Além do medo e da luta contra o coronavírus, Marco teve que lidar com o prejulgamento das pessoas quanto a doença. “Tentamos deixar só entre a gente, mas sempre um fica sabendo e o outro fala. Como a gente teve logo no começo, o preconceito foi enorme. Foi ao ponto de sair na rua quando eu já estava melhor, um amigo me abraçou e eu escutei uma pessoa falando ‘cuidado que é corona’, aquilo ali bateu como dentro de mim? Muita gente tá com o vírus e não fala por medo do preconceito, do que o outro vai achar.”

O uso de máscara e o distanciamento social são medidas para conter a propagação do novo coronavírus, mas não estão sendo cumpridas corretamente por boa parte dos cidadãos. Marco relata se preocupar muito com a atitude das pessoas diante do atual cenário de pandemia. “Eu sou viciado em máscara, eu não ando sem máscara. Eu quero proteger aqueles que estão perto de mim, a gente tem que ter amor ao próximo. Tá todo mundo sem máscara, andando normalmente. As vezes eu penso que a doença acabou e ninguém me avisou. Mas a doença não foi embora e mata, então a gente tem que se prevenir o máximo que puder.”

Apesar das medidas de flexibilização social implementadas na cidade, a população ainda vive o caos da pandemia do novo coronavírus, pois o vírus permanece em circulação. Vacinas estão em fase de teste, mas ainda não há uma cura para a Covid-19. Continuar mantendo os cuidados necessários é fundamental para evitar a segunda onda da doença e mais mortes.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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