A Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro (SES-RJ) soltou, no dia 8 de abril, uma nota oficial negando as duas mortes por Covid-19 e confirmando seis novos casos na Rocinha, Zona Sul do Rio de Janeiro. Entretanto, no fim da tarde do mesmo dia, a própria SES-RJ se desmentiu, afirmando que havia seis mortes confirmadas em regiões de favelas no Rio, número que já subiu para 14, até às 12h do dia 20 de abril.
Este caso ilustra bem como o sistema de contagem de casos e óbitos pelo novo coronavírus no Brasil está defasada por conta das subnotificações, que já foi até comentada pelo secretário estadual de Saúde de São Paulo, José Henrique Germann.
A Clínica da Família Zilda Arns, que atende a 15 territórios no Complexo do Alemão,Zona Norte do Rio lançou o painel com dados de notificação de casos suspeitos do novo Coronavírus.
Teste 3
A atualização realizada às 19h30 do dia 19 de abril mostra que 815 pacientes atendidos na Clínica da Família estão com suspeita da doença. O painel é uma iniciativa de médicos preceptores e residentes, com o objetivo de trazer informações atualizadas sobre o trabalho que tem sendo feito na região.
No dia 15 de abril, o jornal Fala Roça, que traz notícias da favela da Rocinha, fez uma denúncia sobre a contagem de casos no Centro de Medicina Integrada da Rocinha (CMIR) e no sistema da Prefeitura. Entre os dias 11 e 14 de abril, 21 moradores da região foram encaminhadas para o hospital particular, que está realizando testes rápidos para diagnóstico da Covid-19.
Lá, dez deles testaram positivo para o vírus. Entretanto, no painel da Prefeitura do Rio, apenas 2 novos casos foram confirmados no mesmo período. Esta é mais uma prova da grande quantidade de subnotificação que há.
POR QUE ESSA SUBNOTIFICAÇÃO?
O principal motivo para os números irreais de confirmações de Covid-19 aqui no Brasil é a falta de testes. O Ministério da Saúde reconhece esta precariedade e recomenda que se façam exames laboratoriais para coronavírus apenas em pacientes graves.
Em contrapartida, o Ministério aceita, desde o dia 17 de março, notificações da doença sem a necessidade de testes, apenas baseado em diagnóstico clínico epidemiológico. Tal medida, no entanto, não é recomendada pelas Secretarias de Saúde dos estados, que preferem subnotificar os casos.
Segundo o Governo do Estado de São Paulo, a rede pública de saúde tem capacidade de processar até 2 mil testes de COVID-19 por dia. O Instituto Adolfo Lutz era o único que ajudava a atender esta demanda, que chegou a ter mais 20 mil exames represados. No dia 17 de abril, 38 novos laboratórios foram habilitados a realizarem testes para a rede estadual paulista, que agora tem cerca de 9,5 mil exames na lista de espera.
Enquanto isso, temos inúmeros casos de mortes que não receberam o vírus pandêmico como causa pelo país. Em Rondônia, uma idosa de 66 anos teve a contaminação confirmada após a morte, mas sequer estava na lista de casos suspeitos anteriormente.
Em São Paulo, um homem de 59 anos morreu no dia 27 de março depois de apresentar tosse, cansaço e comprometimento dos pulmões. O resultado do exame de Covid-19, feito uma semana antes, não saiu mesmo após quatro dias do óbito. Aqui no Rio de Janeiro, além do exemplo da Rocinha, a primeira morte pelo novo coronavírus também gerou polêmica e ressaltou o quanto os dados do governo estão desencontrados.
Na ocasião, a vítima foi uma idosa de 63 anos, moradora de Miguel Pereira, que estava internada no Hospital Municipal Luiz Gonzaga. A Prefeitura da cidade postou sobre o caso e, horas depois, foi desmentida pela SES-RJ. Um dia depois, a própria Secretaria de Saúde confirmou que tratava-se de um caso do Covid-19.
O QUE ISSO GERA?
No início de abril, foi divulgado um estudo feito na Universidade de Göttingen, na Alemanha, pelos cientistas Christian Bommer e Sebastian Vollmer. Tal estudo diz que apenas 6% das infecções foram detectadas em todo o mundo e que o percentual seria de apenas 0,95% no Brasil. Foi registrado que o nosso país realiza apenas 296 testes a cada 1 milhão de habitantes, enquanto a Espanha chega a testar 12833 de habitantes para a mesma proporção.
A preocupação aumenta à medida que os dias passam. Os números divulgados são mascarados, há uma tentativa de achatamento da curva de crescimento da pandemia e algumas autoridades rechaçam que o Covid-19 é grave, o que gera um certo relaxamento por parte da população, que não enxerga a real situação da doença no Brasil.
No Complexo do Alemão foi criado um gabinete de crise, que realiza campanhas de doações e circula informações oficiais para os moradores. Gabriela Santos, estudante de Geografia e uma das voluntárias do projeto, diz que nos pontos mais altos das favelas é mais difícil para chegar a informação direta e que lá vivem pessoas que carecem até mesmo da assistência social mínima. A jovem de 22 anos mostra que a subnotificação causa mais de um problema.
“A gente tem grande desinformação porque acham que o COVID é uma simples gripe ou resfriado. Há grupos de pessoas que se mantêm isolados, mas não é o bastante para enfraquecer a contaminação em massa. Acredito que a subnotificação tem dois pesos. Ela pode criar um certo pânico na população, causando a superlotação de alguns estabelecimentos a fim de benefícios próprios, como supermercados lotados e falta de alimentos. Por outro lado, fica claro a tamanha gravidade da situação, que expõe muito além de dados estatísticos. A comoção pode gerar responsabilidade social, mas é algo que também é difícil afirmar que vá acontecer”, afirma Gabriela.
Já é possível ver este movimento de crescimento quase exponencial nos gráficos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que mostram as curvas de novos casos por dia e casos acumulados desde o primeiro registro do coronavírus no Brasil. A taxa de letalidade também aumentou e já ultrapassa os 6%.
PROBLEMA X SOLUÇÃO
A gravidade de subnotificar os casos do Covid-19 é conhecida pelos profissionais. Por isso, alguns centros de estudos e laboratórios estão mobilizados para acelerar a quantidade de testes realizados, tendo em vista que não se pode chegar ao pico de contaminação sem ter a real noção da situação do Brasil.
O Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA) trabalha em uma versão nacional dos kits de diagnóstico rápido de Covid-19. A Fiocruz Ceará cedeu uma série de equipamentos para a realização dos testes no estado.
Já a Fiocruz Rio de Janeiro segue na produção de testes do tipo PCR – feito através de um cotonete na boca ou no nariz da pessoa, com resultado em cerca de 4h – para envio ao Ministério da Saúde, que realiza a distribuição para os estados.
Para lutarmos contra um vírus tão letal e que se espalha tão rápido, todos temos que fazer a nossa parte. E uma das coisas fundamentais é dar informações reais para a população, sem pensar em nada além do bem da saúde de todos nós. A circulação de informação mais eficaz, entretanto, depende do entendimento de que ajudar a criar consciência não é gerar pânico.