Voz em verso #03: Corre menina – Sabrina Azevedo

Além de poeta, Sabrina é poeta, atriz, escritora, dramaturga, comediante e produtora cultural

A pandemia do Covid-19 mudou o jeito de viver de toda a população e muitos costumes foram deixados de lado. Entretanto, a produção de arte segue a todo vapor nas favelas do Rio de Janeiro e, através da coluna Voz em verso, traremos poesias de artistas da favela aos domingos.

O último sábado (25) foi o Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha‎ e o Dia Nacional de Tereza de Benguela. Sendo assim, a terceira poesia da coluna é da Sabrina Azevedo, uma mulher preta, cria da favela Caixa D’água, Zona Oeste do Rio.

Além de poeta, Sabrina é poeta, atriz, escritora, dramaturga, comediante e produtora cultural. Bicampeã do Slam RJ (Campeonato Estadual de Poesia Falada), ela representou o Rio de Janeiro no Slam BR (Campeonato Brasileiro de Poesia Falada) em 2017 e 2018. Em 2019, venceu o Torneio Nacional Singulares de Poesia. Com outros poetas, fundou o coletivo NósdaRUA. Atualmente, apresenta do programa Papo pra Preto, idealizado pela mesma, e atua no mundo da comédia, usando a linguagem cômica para contar suas histórias em formato de Stand up comedy.

Tu já ouviu a história da menina preta
Que cresceu evitando se olhar no espelho?
Tinha algo errado
Seguia desviando de bala
Com a mesma habilidade
De desviar da bola no queimado

Nunca gostou de pique pega
E achava injusto o pique alto
Por que sempre ia tá com você
Se você estivesse no baixo
Mas achava interessante o pique cola
Se seu amigo foi pego
Ele fica ali parado
Na atividade
Sem direito de ir ou vir
Ta congelado
Até que alguém do seu time prova que tá do seu lado
Te dá um toque e tu tá livre
Esses eu chamo de revolucionários

Ela demorou a entender o alerta cor
Até precisar descer pra pista
E vê que se não tivesse a cor certa
Levaria bolada

A LER TÁ COR
QUAL COR?
BRANCO

Morto, vivo
Morto, vivo
Morto, vivo
Subindo e descendo até se confundir
E ela começar a duvidar da sua existência
E optar pelo pique esconde
Porque achou mundo muito perigoso
E só queria ouvir “123 salve todos”

Só quem foi sabe o que é ser uma criança avançada
Mente acelerada
Em tudo ela estava ligada
Ela tava ali e ninguém viu
E quando ela notou o que viu
Correu, fugiu, sumiu … Xiu…
Ninguém viu

Corre menina foge pra mata
Foge que lá você tá protegida
Corre menina foge pra mata
Foge que ela você tá protegida

Dormiu criança
Sentiu cólica na madrugada
E acordou mocinha
Foi esse o nome que disseram

E como pular amarelinha
Jogou a pedrinha
E já não queria ser criança aos 12
Aos 13 queria ser novinha de 14
É que em 2007 Mc Didô lançou a que mais tocava

“Pega as novinhas de 14”

E ela sabia que pra ser aceita
Tinha que ser desejada
Então alisa o cabelo e maquiagem na cara
Essa é a resistência de uma mina preta favelada

Ela viu sua favela ser invadida
Lembrou o pique bandeirinha
De um lado os zomi de preto
Do outro uns cria de vermelho

E foi voltando da escola que viu que a favela tinha sido tomada
A novinha ficou bolada

E como no jogo uno eles deram um bloqueio
Na outra rodada ela jogou o +4
Eles ficaram irritados
E ela ainda tinha o +2
Mas nem deu tempo
Disseram “mete o pé da favela ou tu vai ficar como exemplo “

Expulsa de casa aos 15
E nem foi pelos pais
Aquilo foi um lembrete
“Agora tá valendo você não é mais café com leite”

vivência gera ação
Ação gera reação
Faz abrir a visão
E ela entende que nunca vai ser como eles
Que o foco da bolinha de gudi
Sempre foi mirar, acertar e
Tomar tudo que é deles

Pra ela que cresceu tentando ser branca
Tá ali era fácil
“Eu posso falar com eles, agir como eles,
eles não podem falar como eu falo e agir como eu ajo”
É eu e eu mesma no taco
E cada 10 pontos é mais 10 revolucionários
Isso é trabalho feito mesmo sem edital aprovado

O sonho não é mais tá na academia
Ela nem sabe se da tempo
Mas fé pros preto acadêmico
E o certo
É tu transformar esse discurso que aprendeu
Pra papo reto

Hoje dizem que ela é marrenta
Marra não
Postura
Rj vida é dura
Então atura
E se somos em vida o sonho dos nossos antepassados
Será que hoje eles se sentem vingados?

E ela pensa “O que meus descendentes vão ter de legado?”
Então deixa registrado
Fica a mensagem
Assinado por Sabrina Azevedo
Pique flow poético de Nick Minaj

Corre menina – Sabrina Azevedo
Leia também: 
Voz em verso #01: Fora de série – Poeta Rennan Leta
Voz em verso #02: Mãe preta – Jump

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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