Mostrar que a favela não é só violência é uma luta de todo morador. Mas elevar o nome e levar a favela para os grandes palcos de música do Rio e da Europa, é coisa de descolado.
O Conjunto Habitacional Costa e Silva, em Realengo, próximo da Avenida Brasil, mais conhecido como favela do Fumacê é muito bem representado por uma molecada talentosa e cheia de manha. O primeiro voltou da Espanha, onde morou por oito anos, cheio de idéias e encontrou o segundo que já dançava pelo Fumacê. O terceiro vinha de Pilares, do Morro do Urubu, pros eventos de dança no conjunto de Realengo. Fernando Espanhol, Felipe Salva e Anderson Kipula, respectivamente, formaram os Descolados, um grupo de funk cheio de personalidade.
A ideia de Fernando surgiu após perceber que a favela do Fumacê não tinha nenhuma representação artística dentro da cidade e, assim, convocou Salsa e Kipula pra montar esse grupo. Os ensaios começaram na antiga sede da associação de moradores, onde hoje se encontra um Sesi. “A gente voltava pra casa com o pé todo sujo, era o único local que tínhamos para ensaiar. Lembro que com o dinheiro da minha rescisão no trabalho, a gente foi pra Uruguaiana comprar nossa primeira roupa de show. A gente só tinha sonho, nessa época e dinheiro nenhum”, relembra Felipe Salsa.
A base do projeto foi construída por meio da Agência de Redes para a Juventude, programa da Secretaria Municipal de Cultura para jovens, que Fernando Espanhol participava. Lá, ele recebeu capacitação e orientação para dar corpo a ideia ao grupo e onde ganhou também um incentivo fincaneiro para colocar tudo em prática. Daí surgiu a primeira parceria com a Mondé Produções, primeira gravadora dos Descolados. Essa parceria resultou em músicas autorais de peso e inserção na cena da música carioca. Circo Voador, Fundição Progresso e várias casas da Lapa recebendo os meninos do Fumacê.
Teste 3
“Com a ajuda da Agência, não tivemos problemas financeiros no começo, mas foi e ainda é uma dificuldade para nós, a entrada na mídia. Somos fruto de produção independente e não contamos com empresário, gravadora grande e assessoria para vender shows. A tarefa não é tão simples, tudo é conquistado na manha, com mobilização nossa pelas redes pessoais e virtuais”, conta Fernando. E essa mobilização já conseguiu reconhecimento suficiente para ter um clipe gravado pela Tom Produções e uma parceria com o RD da NH. “Sinto muito orgulho da gente, eu faria tudo novamente, sem mudar nada. Ainda não temos empresário, mas isso nos resultou uma identidade muito própria, o que fez a galera gostar da gente. Não somos famosos, mas somos um grupo popular. Lotamos casas na Lapa! A gente consegue tocar a alma das pessoas”, comemora o Mc, que deseja agora saltos maiores.
Por meio da parceria com o grupo de Rap Carta na Manga, outra produção da Mondé, os Descolados foram convidados a fazer apresentações até em Paris. “Foi correria pra gente conseguir tirar passaporte e uma ansiedade imensa. A viagem foi incrível, conhecemos outra cultura e empolgamos os franceses com a nossa música. Quando a gente voltou, ganhamos mais fãs e admiradores. Deu um up pra nossa carreira” , relembra Salsa.
Desafio
Depois de ir pro mundo, o grupo percebeu a necessidade de se voltar à favela que pertenciam para ser uma referência presente. Foi quando pensaram na realização de um filme com a trajetória dos Descolado. Para a estréia, ao invés de levar a comunidade para o Odeon ou grandes espaços de apresentação do Rio, o movimento foi contrário. Foram organizadas inúmeras vans que saiam de pontos diferentes da cidade para trazer gente de fora para o Fumacê. A quadra ficou lotada, o que contribuiu para a boa imagem do local e gerou renda pro comércio local. O curta se chama “Na Manha”, título de uma das músicas do grupo e mostra a partir de relatos as imagens marcantes, do Fumacê até a França, simbolizando cada momento vivido por eles. “A gente sempre quis trazer uma visibilidade positiva pro Fumacê que era conhecido somente por violência. Mobilizamos os moradores com entrevistas para que eles pudessem protagonizar nosso filme também e na estreia a galera compareceu em peso. Essa atitude nos aproximou muito da comunidade. E quando estamos fora de lá, gostamos de vincular os Descolados ao local de onde surgimos”, observa Salsa.
Agora o desafio é alcançar patamares maiores, tocar nas rádios, estar na TV, como sonha Espanhol. “Queremos uma carreira mais sólida, financeira e artisticamente. Sair da posição de revelação para disputar de igual pra igual com nomes conhecidos do funk. Essa trajetória nos trouxe respeito e credibilidade com o nosso público, mas desejamos mostrar a música que veio do Fumacê para muito mais gente”, finaliza.