Em meio ao paredão de livros que decorava o estande das Secretarias de Estado de Cultura e de Educação na XVI Bienal do Livro, Otávio Júnior e Renê Silva, estavam, como se costuma dizer, se sentindo em casa. Afinal, é perto dos livros e do prazer de ler e escrever que eles se sentem completos e realizados.
Na sexta-feira (30) à tarde, no segundo dia de Bienal, os dois jovens do Complexo do Alemão foram a grande atração do estande. Eles contaram um pouco de suas histórias, falaram de seus livros publicados e em seguida, abriram espaço para perguntas da plateia.
Mais conhecido do grande público, Rene Silva é o idealizador do jornal A Voz da Comunidade, projeto que ele criou em 2005, quando tinha apenas 11 anos, mas que ganhou notoriedade nacional a partir de 2010, quando se deu a ocupação policial de pacificação no Alemão: ” Naquela época, já estava nas redes sociais e usei o Twitter para falar online sobre a movimentação dos traficantes e a ação policial de ocupação que estava acontecendo. Em pouco tempo, milhares de pessoas, inclusive jornalistas nacionais e internacionais, começaram a me seguir, a fazer perguntas e a acompanhar as informações que postava sobre tudo o que acontecia ali, na hora”, lembra Renê contando como se deu o início do reconhecimento de seu trabalho.
Teste 3
Segundo ele, o objetivo do jornal que criou sempre foi esse: dar voz, dar visibilidade aos moradores, ao trabalho que desenvolvem, aos problemas que enfrentam, aos acertos e conquistas que têm. É isso que conta o recém-lançado livro A Voz da Comunidade, escrito pela jornalista Sabrina Abreu, em parceria com Rene.
Apaixonado por Machado de Assis e fascinado pelo mundo do jornalismo, Rene segue seu caminho com a segurança de quem sabe aonde quer chegar: “Ano que vem entro para a faculdade de Jornalismo. Quero aprender ainda mais sobre essa profissão e viver dela. E fazer dela um instrumento, uma ferramenta para ajudar a melhorar não só a minha comunidade como o mundo em que vivemos.”
Segundo ele, o acesso e o incentivo à leitura são fundamentais como agentes transformadores na vida das pessoas. Por isso, ele já comemora a futura chegada da Biblioteca Parque do Alemão, projeto da Secretaria de Estado de Cultura, prevista para acontecer ainda esse ano: “Esse projeto das bibliotecas-parque do estado é maravilhoso e de extrema importância para as comunidades e para a sociedade de um modo geral. Conheço a Biblioteca Parque de Manguinhos e sou verdadeiramente encantado com aquele espaço. Por isso, fico muito feliz em saber que o Alemão também terá um espaço como esse, um local onde não só os livros são valorizados, mas as diversas formas de arte, cultura e expressão.”
Otávio Júnior, autor de O Livreiro do Alemão, também fala com orgulho de sua história. Uma história de superação, aliás. O menino pobre, que sonhava em ser jogador de futebol, não se realizou com a bola nos pés, mas encontrou nos livros o seu caminho: “Na verdade, os livros transformaram a minha vida. E eles podem transformar, melhorar a vida de cada um de nós”, diz com convicção.
É essa convicção que o faz disseminar, promover a literatura pelas periferias do Rio de Janeiro com seu projeto Ler é 10 – Leia Favela. Para ele, se vence a barreira da não leitura com estímulo dentro de casa e nas escolas, com incentivo do governo e com a diminuição dos preços dos livros. Enquanto não vivemos nesse mundo ideal, ele diz, Otávio faz a sua parte levando esse acesso à leitura às comunidades carentes. Em casa, mesmo, já mudou o olhar de seus pais sobre o universo da leitura: “Meu pai é pedreiro e minha mãe, dona de casa. São pessoas simples e que tiveram pouquíssima instrução. Hoje, eles se interessam por ler e isso para mim é uma outra grande conquista”, comemora ele que com seu projeto já teve a oportunidade de reunir mais de mil crianças para mostrá-las o mundo da literatura.
Diferente de Rene, Otávio diz que é impossível escolher apenas um autor favorito. “São tantos maravilhosos. Não saberia escolher só um. Cada livro tem sua magia, seu encantamento”, diz ele que agora em setembro lança seu primeiro livro infanto-juvenil, O Garoto da Camisa Vermelha. Já em outubro, irá à Feira de Frankfurt, na Alemanha, a maior feira de livros do mundo: “Nossa, vai ser maravilhoso participar disso e ver essa enormidade de livros e histórias de todo o mundo. Estou ansioso.” E, sempre bem-humorado, diz: “Queria ser jogador de futebol não só porque gostava de bola, mas também porque queria mudar de vida e queria viajar o mundo todo com o meu trabalho. Pois é, consegui isso tudo através de outro universo maravilhoso, o da leitura.”
Sobre a chegada da Biblioteca Parque do Alemão, que em breve será inaugurada na comunidade, ele comenta: “Essa iniciativa do governo estadual é riquíssima e muita bem-vinda. Que ela se dissemine ainda mais. E que não seja um plano de governo, apenas. Mas que seja de fato uma política de Estado, seja qual for o governante que esteja no poder. É assim, com acesso à leitura, ao conhecimento, à cultura e ao lazer que vamos fazer a diferença.”
Na plateia, a artesã Ana Beatriz Braga, de 49 anos, e a dona de casa Maria Lopes Figueiredo, de 72, se emocionaram com a história de cada um deles: “Estava passando pelo estande, vi aqueles meninos jovens falando ao microfone e fiquei curiosa em ouvir. E que bom que entrei. Não conhecia a história de nenhum deles e digo que fiquei feliz e orgulhosa de ver jovens tão exemplares como eles. Que se multiplique esse exemplo que eles deram”, comentou dona Maria. “Tenho uma filha de 17 anos e desde cedo procurei estimular o hábito da leitura nela. Consegui (risos). Tanto, que viemos de São Fidélis, interior do Rio, especialmente para a Bienal. Ela não está aqui porque está passeando sozinha pelos estandes à procura de seus livros e autores prediletos. Mas com certeza, assim que puder, contarei a ela a história e o exemplo desses meninos.”
Já a professora de Física, Maria Cristina Reis, elogiou a iniciativa da SEC em montar um estande tão atraente do ponto de vista estético e pedagógico: “Estava passando pelo corredor com minha filha e achamos curioso ver essa parede cheia de livros pendurados. Entramos e aí ficamos ainda mais surpresas ao nos depararmos com um bate-papo tão instigante e enriquecedor como esse que aconteceu aqui. Como mãe e como professora, tiro o chapéu para essa iniciativa. Adorei.”
Além da participação de Renê e de Otávio, o estande recebeu também a Companhia de Teatro Arte Viver, que apresentou uma pequena esquete sobre asMulheres de Atitude do Alemão e fez um momento de contação de histórias. Além disso, foi exibida em uma televisão a produção do fotógrafo Alexandre Corrêa e do Grupo Pensar, agentes atuantes dentro das comunidades do Complexo do Alemão.