O Protetor Solar: um retrato da burocracia brasileira

Todo mundo sabe que o uso do protetor solar é muito importante para a prevenção do câncer de pele, e justamente por isso é intenso o debate acerca de como tornar o produto mais acessível a todos os brasileiros. Uma investigação mais de perto no assunto explica bem como a burocracia e o excesso de regulamentação do nosso país atrapalham a resolução dos problemas nacionais.

O protetor solar é categorizado, no Brasil, como cosmético. A discussão sobre como tornar o produto mais acessível passa, quase sempre, pela proposição de que, dada sua importância na prevenção do câncer de pele – doença grave que deve afetar, em 2016, 200 mil brasileiros-, ele deveria ser considerado um medicamento. Os partidários dessa corrente alegam que a mudança na classificação do produto ressaltaria sua importância como instrumento de saúde, incentivando seu uso e facilitando sua distribuição gratuita pelo SUS, o Sistema Único de Saúde. Além disso, como os impostos sobre medicamentos são menores, o produto ficaria mais barato para o público em geral. A ideia realmente parece fazer todo o sentido.

Mas estamos no Brasil, com seu excesso de regulamentação. Pela legislação brasileira, produtos enquadrados como medicamentos, quaisquer que sejam, só podem ser vendidos em farmácias ou drogarias; acontece que só 20% do total de protetores solares vendidos no país são comprados em farmácias. A distribuição dos outros 80%, que hoje é feita em estabelecimentos como supermercados e lojas de conveniência, ficaria então comprometida. Mais: como medicamento, o produto ficaria sujeito a orientação médica, e, apesar de todos os médicos concordarem que seu uso é fundamental para evitar o câncer de pele, produtos sujeitos a orientação médica tem restrições acerca de publicidade, o que seria mais um obstáculo à conscientização da população.

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Não bastasse tudo isso, medicamentos ainda requerem registros especiais na Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a ANVISA. Seria necessário o pagamento de uma taxa de dezenas de milhares de reais para registrar o novo “medicamento”, além de valores também bem altos para fiscalização das empresas produtoras e distribuidoras do produto. Todos esses entraves burocráticos fariam com que os custos para produzir o protetor solar aumentassem muito. O resultado: o produto seria vendido por um valor mais alto para compensar o prejuízo.

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Acontece que é comprovado que o protetor é um poderoso instrumento de saúde pública, e isso deveria ser suficiente para a resolução do problema. Não deveria importar se ele é considerado um cosmético ou um medicamento pelas autoridades nacionais. Não deveria importar se o SUS pode ou não distribuir cosméticos gratuitamente, ou se medicamentos só podem ser vendidos em drogarias, ou se a carga tributária para cosméticos e medicamentos é diferenciada. Acima de qualquer categorização, o protetor solar é um produto que deve estar acessível a toda a população, isso é inquestionável. É um tremendo retrocesso que uma mera diferença burocrática de classificação seja uma barreira à distribuição do produto pelo SUS, ou uma limitação dos possíveis pontos de venda, ou ainda que isso incorra em taxações maiores ou menores. Um protetor solar será sempre um protetor solar, qualquer que seja sua categorização; a necessidade da população de utilizá-lo será a mesma também.

Ao invés de buscarmos formas práticas através das quais o bendito protetor solar pode ser disponibilizado, a preços realmente acessíveis, ou até mesmo de forma gratuita, via SUS, para a população em geral, a questão empaca em aspectos burocráticos que, para a resolução do problema, não tem qualquer importância ou cabimento. Em 2010, havia pelo menos 5 projetos de lei tramitando na Câmara Federal acerca da acessibilidade ao protetor. Nenhum dos 5 foi até hoje aprovado. Nosso país é assim: muitos projetos de lei, poucas leis de verdade. Muita conversa e pouca ação. Muita burocracia e pouco problema resolvido. E, enquanto isso, 200 mil brasileiros terão câncer de pele esse ano, porque as autoridades estão mais preocupadas em discutir a classificação do produto do que em proteger as pessoas do sol.

AUTOR:

Jose_octavio_colunistafixo-2

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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