Mãe do Negão da BL, dona Gisele conta sobre a vida com o filho antes da fama

Mc Negão da BL e sua mãe Gisele Bento contam um pouco da história deles; hoje sucesso na internet com mais de 2 milhões de seguidores

Matheus Bento, ou MC Negão da BL, de 23 anos, está bombando nas redes por conta dos seus vídeos em que ele retrata com muito bom humor a relação com sua mãe, Gisele Bento. Ex-morador do Complexo da Penha, hoje vive com a família em Fragoso Magé, na Baixada Fluminense.

De cara já começamos a entrevista pela Dona Gisele. Uma mulher muito forte, mãe solo e que, como a maioria das mães de favela, se preocupa com o futuro dos seus 4 filhos, que tem muito orgulho. Ela se emociona ao lembrar da trajetória do seu único menino, relata como criou seus filhos, sua relação com o Matheus (Negão da BL) e como está sendo participar de todo esse sucesso.

“Não imaginava que essas filmagens dele iam fazer tanto sucesso. Não esperava por isso. Esse sucesso é porque as pessoas se identificam. Muitas mães se identificam comigo, pois quase não se vê mães corrigindo seus filhos da forma que eu corrijo. Meu filho pode ter 40 anos, pode estar velhinho na bengala, mas se eu tiver que corrigir, eu corrijo”. Dona Gisele revela que não tem nada encenado, que é tudo verdade: “Eu bato mesmo!”

Para quem duvida, dona Gisele deixa claro que não tem nada armado: “Eu bato de verdade!” Foto: Alexandre Silva / Voz das Comunidades

Dona Gisele só se deu conta do sucesso que estava fazendo nas redes quando passou por uma situação inusitada. “Estávamos perto de uma funerária e quando nos viram, deixaram de velar o corpo e vieram atrás de nós para tirar fotos. Eu fiquei assustada e perguntei o que estava acontecendo. Foi quando Matheus me disse que era o vídeo”.

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Mãe de 3 meninas e 1 menino, ela diz como foi criar seu filho sozinha. “Matheus já me deu muito trabalho na escola. Fui chamada diversas vezes na secretaria, pois ele só queria cantar. Aprontou como qualquer jovem da idade dele, mas eu precisei estar com ele a todo momento, corrigindo, mostrando a direção certa, sendo mãe e pai ao mesmo tempo”.

E como uma leoa, Dona Gisele teve que sair do emprego para se dedicar aos filhos. “Eu não queria perder meu filho. Preto, pobre, favelado… a gente já sabe o que pode acontecer. Abri mão do meu emprego para cuidar dele, mais importante que a necessidade da minha casa era meu filho. Então eu não podia dar tudo para ele e perder ele do nada. Não é o sim que educa, é o não! Você leva anos para educar seu filho e menos de um segundo vem uma mal amizade e muda toda trajetória, e você perde!”

Sobre o sucesso do filho na carreira de Mc, Dona Gisele fala que nunca o apoiou e que sempre foi contra, mas que chegou um momento em que ela precisou parar e analisar com carinho o sonho do filho. “Se eu for bater de frente, eu afasto ele de mim e não vou saber o que está acontecendo, e como vou poder ajudar? Então aceitei e vou acompanhando bem de perto. É difícil pra mim, mas ele tem uma mente feita, já é um homem. Se ele fizer qualquer coisa errada, ele vai arcar com as consequências. Eu ensinei ele o caminho e hoje sinto orgulho, pois ele é um bom rapaz. Cuida de mim e das irmãs dele”.

Mãe solo, ela fala sobre ter paz a cada saída do seu filho. “Hoje eu durmo em paz. Entrego nas mãos de Deus e eu sei que ele vai fazer o show dele e vai voltar. Deus fortaleceu as asas dele para voar, e como um passarinho ele sabe que não é qualquer comida que ele pode comer. Eu sei que tem violência e eu digo meu ‘Deus tu é fiel pra levar e fiel para trazer’”.

Mesmo com o sucesso do filho nas redes, a família ainda não está com a situação financeira bem resolvida. E a mãe do Negão da BL conta sobre o processo que viveu em sua vida. “As pessoas pensam que estamos ricos, as pessoas perdem a noção. O que estamos colhendo hoje foi fruto de muitas lagrimas, com muito suor. Muitos esperavam que meu filho fosse mais um na estatística, mais uma atirado pelo chão. Tinha dias que eu não tinha o que dar para meus filhos comer e esperava o pipoqueiro da esquina terminar o expediente para ver o que sobrou. Pegava o resto da pipoca que sobrava e aquilo era o café da manhã do meu filho. Era uma festa quando vinha aquele pedaço de bacon! Tinha dias que ele falava que tinha comido na rua, pois sabia que eu não tinha comido nada e o que estava guardado para ele. Eu comia a cabeça do peixe para eles comer o corpo. Deixava eles sozinhos, pegava o trem para fazer faxina. Já fui muito humilhada, mas eu aguentava para trazer o sustento da família. Nunca deixei faltar um chinelo para meus filhos. Hoje eu dou Glórias a Deus por tudo”.

Dona Gisele se emociona ao falar sobre a sua vida e a carreira do filho. Foto: Alexandre Silva / Voz das Comunidades

Muito emocionado, após ouvir sua mãe desabafar, Negão diz que pediu oportunidades para cantar pois não queria mais ver “sua coroa” naquela situação e não aguentava mais passar por tanta dificuldade. O artista queria cantar para dar uma vida melhor para sua família e mostrar o que sabia fazer de melhor. Assim surgiu o hit “perdão minha coroa”, ele recebeu seu primeiro cache, iniciado com R$70 reais. E logo já estava cantando nos bailes. Hoje sua música faz o maior sucesso.

“Eu sempre quis cantar e sempre quis ser jogador de futebol, mas sabia que cantar ela não ia deixar e para ser jogador de futebol hoje em dia não basta ter talento, tem que ter dinheiro, e eu não tinha. É muito gratificante ouvir as pessoas cantando minha música e chegando em lugares que eu nem imaginava, se identificando com a letra. Todas as favelas que eu entro para fazer show vejo as pessoas cantando “perdão minha coroa” pois elas se identificam. É a história de dores das mães das favelas que tem um filho preso ou morto. As pessoas falam que é uma história triste, mas eu retrato minha realidade. Qual o pobre favelado que cresceu na vida que não tem uma história triste? Que passou ou passa por luta?”

“Eu vou continuar com minha carreira de MC, mas também vou continuar gravando meus vídeos com minha mãe. Quero trazer alegria para as pessoas. Ouvir as crianças gritando água, coca, latão é muito legal. Estou vivendo meu sonho, me joguei nele, agora quero dar o melhor para ajudar minha família. Eu pretendo em breve sair daqui e dar uma casa para minha mãe, mas não quero crescer sozinho. Os caras que começaram comigo vão crescer comigo, vamos construir juntos, não vou deixar ninguém para trás.”

Amor de mãe e filho que emociona e diverte o Brasil. Créditos: Alexandre Silva / Voz das Comunidades

E para todos que amam essa dupla, eles mandaram um recado, começando por Dona Gisele: “Eu agradeço de coração, que Deus abençoe a cada um de vocês. Estou tendo a oportunidade conhecer várias pessoas. Hoje eu vejo as pessoas aplaudindo, porque eu vivi tantos anos vendo as pessoas esperar o pior de mim, da minha família, e o que eu tenho hoje são pessoas me dando tanto carinho, isso vale mais que dinheiro. Eu sofri muito, não sabia o que era família, fui abandonada, eu vivi sozinha, eu criei meus filhos sozinha. Ninguém viu quantas vezes eu ficava ali na rodoviária da Central do Brasil com o Matheus deitado naquele chão, tomando conta de banca, para garantir o dinheiro e fralda. Limpava fossa para compra caderno para meus filhos estudar, minha filha formada, meu filho ganhando o dele, e tudo que vivo hoje é para honra e gloria do Senhor.”

E o Matheus: “Eu canto há 7 anos, e os vídeos têm 1 ano. Eu sou grato a Deus por essa porta, foi um divisor de água. Trabalhei de camelo, vendedor, guarda, até chegar aqui, as pessoas zoavam com meu sonho, e eu acreditei, corri atrás. Hoje eu recebo mensagem dizendo que através dos vídeos as pessoas estão melhorando da depressão, eu fico feliz, eu tento responder todas, mas é impossível, por dia se eu repondo mil, tem mais duas mil para responder. Obrigado”.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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