Ícone do Morro do Borel, Pascoalina deixa saudades na favela

‘Ela me ensinou a ser uma guerreira e uma mãe como ela foi’, diz neta

Sentada na cadeira fora de casa tomando um banho de sol. Não havia uma pessoa que passasse pela rua sem cumprimentá-la. Pascoalina Silva, de 88 anos, que era comumente chamada de “Pascoal”, tirou do bolso um pacote com “fumo de rolo” (um tipo de tabaco) e acendeu seu cachimbo. Ela dizia que fumava para revisitar o passado e relaxar. O item pessoal indispensável acompanhou a moradora por mais de 30 anos. Durante a entrevista que concedeu ao Voz em julho, lembrou-se da época em que foi rezadeira e parteira dentro da comunidade e do momento em que realizou o parto do neto, já que a pouca informação sobre procedimentos obstétricos em uma maternidade foi um dos fatores determinantes para fazer nascer o menino. 

Nasceu no interior de Minas Gerais e começou a trabalhar com cinco anos, ajudando os pais na lavoura de um fazendeiro da cidade. Deixou para trás três irmãos e chegou ao Rio de Janeiro aos 11 anos de trem com uma tia. Antes de se instalar no Borel, aos 19, morou no Salgueiro, onde integrou a ala das baianas da escola de samba que leva o nome da comunidade. Já no Borel, Pascoalina viu todas as transformações pelas quais a favela passou: das ruas de lama e casas de estuque à alvenaria e à pavimentação na favela. 

A espiritualidade que carregava dentro de si e a prática de parteira eram heranças de Dona Zazinha, uma senhora que morava em um quintal vizinho. Dentro de casa, um lugar reservado para a devoção da santa à qual fazia seus pedidos de proteção e saúde. Quando questionada sobre o segredo para a longevidade, ela dizia que era “beber um pouco, fumar um cachimbo e comer comida saudável.”

Teste 3

Um detalhe importante da vida de Pascoalina é em relação à idade. A filha, Maria Antônia Soares [esposa do meu tio-avô], de 59 anos, revela que a mãe era um pouco mais velha. Isso porque ela fez os documentos duas vezes. “No cartório, o escrevente deu uma nova data de nascimento.” Para a neta Carla Cristina de Oliveira, de 42, a avó era uma referência. “Ela me ensinou a ser uma guerreira e uma mãe como ela foi”, conta. “Ela sempre falava que pedia a Deus para me dar saúde.”

Pascoalina de Oliveira da Silva morreu na última segunda-feira, dia 17 de novembro de 2019. Ela deixa 5 filhos, 16 netos, 38 bisnetos e 6 tataranetos, além, é claro, da saudade que a favela inteira sentirá. O sepultamento aconteceu na tarde de ontem. Sua contribuição para a história e identidade do Morro do Borel é muito maior do que sua partida. 

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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