Estamos transmitindo a mensagem errada e precisamos parar

Da mídia ao dia-a-dia, o que define nossa realidade é aquilo que nos cerca

Sim, é meio, ou melhor muito óbvio dizer que a nossa realidade é aquilo que nos cerca. Convido você, leitor, a se debruçar dois minutos sobre isso com seriedade.

Sinceramente seria muito bacana termos a habilidade de Hurricane, aquele lutador negro interpretado por Denzel Washington, que deixa uma coisa clara sobre a sua prisão: podem prender seu corpo mas não a sua mente. É, mas nem todo mundo pensa ou age assim.

Todos os dias chegam relatos de abusos, falcatruas, intolerâncias, violências e tantas outras coisas muito bad trip. Ficou normal, né? Mas não deveria ser normal uma mulher na linha vermelha, ser morta esfaqueada durante um assalto porque teve dificuldade em retirar um anel do dedo. Não deveria ser normal um motorista bater num passageiro porque acha que ele não pagou as passagens quando na realidade ele pagou mas o motorista não viu. Não deveria ser normal a Voz das Comunidades ter uma placa fixa no site mostrando quantos têm morrido na guerra do Alemão e a gente não se sensibilizar com isso.

Teste 3

Peraí, tem pauta em nível nacional também.

Polícia de São Paulo usa força desproporcional contra manifestantesQuebra costela de uma grávidaCerca as pessoas usando uma tática de tortura bizarra. Em sua defesa, a PMESP declara que se aplicar a lei é abusar do poder, eles vão abusar. Tá no Twitter. E pra piorar, envia mensagens incitando a população contra os direitos humanos. Tem essas duas aqui, e mais essa aqui pra exemplificar. Parece que eles descobriram que não é bacana fazer isso e têm apagado várias.

Cada vez que você repete que “bandido bom é bandido morto”, está empoderando uma ideia errada de sociedade. Está dizendo que concorda com o assassinato, sem sequer passar por um julgamento justo. Não diga que defendo bandido: defendo você de você mesmo, leitor. Como assim?

Deixa eu contar um causo:

Em Belford Roxo, aqui na Baixada Fluminense, aconteceu um assalto. Um rapaz foi detido. Reconhecido pelas vítimas, como um bandido bom sendo bandido morto, ele deveria ir pra vala, certo? O problema é que ele é autista e estava passando na hora do furdunço. Em choque e querendo uma solução rápida, as vítimas apontaram o rapaz. Foi preso. Alguns dias depois algumas das vítimas foram até a polícia retirar a queixa.

Não podemos apoiar a barbárie.

Qualquer um de nós, inclusive você, pode ser a próxima vítima numa sociedade conivente com o desrespeito.

Mas peraí, vou te passar uma visão:

O noticiário policialesco, assistido diariamente nas periferias, transmite uma noção distorcida da realidade. O pobre aceita a ideia que vive num lugar SÓ ruim, SÓ violento e SÓ abandonado. Outro dia esbarrei num site xulé desses policialescos aqui na Baixada, e vi uma sequência de assassinatos, crimes bizarros e acidente. A lista terminava com uma notícia de suicídio. Sim, um su-i-cí-dio com todas as letras com direito a fotos.

Não dá pra gente aceitar de braços cruzados a mensagem errada que tão transmitindo pra gente e pior ainda ficar replicando isso.

Calma, não quero dizer pra gente fechar os olhos para o que está acontecendo. Mas a nossa realidade não precisa ser um show de horrores que esgota as discussões sobre segurança pública com frases de efeito. Não dá pra gente transformar a tragédia em espetáculo. E se a gente passasse a refletir sobre esses temas, baseados em discussões com números e propostas para solucionar os problemas? E se, ao invés de uma chacina render matérias especiais e sanguinárias, rendesse matérias para pressionar a justiça a encontrar os assassinos? E se pautassem mais a necessidade de um sistema carcerário eficiente? E se a discussão da maioridade não girasse em torno da prisão a torto e direito, passando a levantar a necessidade de correção? E se você, leitor, fosse preso por engano, gostaria de ser julgado pela população e pela mídia? Já viu como ela corrige seus enganos em notas curtas e mal divulgadas?
Me sinto muito privilegiado em ter conhecido o filme do Hurricane há um bom tempo. Me ajudou a entender que nós temos uma escolha, dentro de nós mesmos, que ninguém pode mudar. Não se trata de estar alheio à realidade, mas sim de moldar seu próprio entorno e enxergar o mundo além daquilo que nos cerca.

Eu não moro num lugar SÓ ruim. Eu moro na Baixada Fluminense, um dos lugares mais vibrantes em todo o Brasil. Uma nação dentro de uma nação. Um lugar de gente boa, com histórias fantásticas e muita coisa pra fazer. Não são mil maravilhas, mas está longe de ser tão ruim quanto tentam te convencer.

Lugar de mensagem errada é na caixa de spam.

 

Sobre o autor:


Wesley BrasilSou Wesley Brasil, artista gráfico, especializado em projetos de engajamento digital. Fundei o Site da Baixada em 2006, acreditando numa Baixada Fluminense melhor através do amor.

Compartilhe este post com seus amigos

Facebook
Twitter
LinkedIn
Telegram
WhatsApp

EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

Contato:
[email protected]