Foto: Betinho Casas Novas
Texto: Marcelo David Macedo, Kananda Ferreira e Rennan Leta
Poesias: Rennan Leta
Teste 3
Edição final: Gabi Coelho
O dia 4 de novembro é reconhecido como o Dia da Favela, um importante passo dado para o reconhecimento da nossa história. A data faz referência à origem da palavra “favela”, provinda de uma planta chamada faveleira, e utilizada em documento público a partir do fim do século 19 após a Guerra de Canudos – BA, sinalizando o Morro da Providência com este nome. De lá pra cá, são mais de 100 anos de luta e resistência, mas também de criações artísticas e consagração como potência.
“Favela, orgulho e lazer
Estamos à vontade… Nós somos”
Nós somos alegria
Pão francês com mortadela
Café de lei da padaria
Calote já bem cedo
Em cada trem da Supervia
Tu não sabia?
Orgulho
Eu tenho muito de ser filho seu
Agradeço todo dia
Toda malandragem que você me deu
E quem pensa que é maior que nós…
Ser da favela é se transformar todos os dias no território na qual a sua história carrega a força, esperança e a resistência, marcadas pela negligência de direitos humanos e a marginalização de vidas. É construir importantes narrativas voltadas para a valorização da nossa existência e produzir novos olhares a partir da nossa atuação em diversos campos, como na arte, educação, economia, ciência, projetos sociais e muito mais.
Trazemos no peito algo verdadeiro
Exportamos pro mundo um monte de batida
Em troca nós somos julgados o tempo inteiro
Por quem só importa a bala perdida
Me benzendo em cada andar
Proteção, minha Nossa Senhora Aparecida
Aqui é batalha diária pelo dom da vida
A pipa subiu, morador
O vapor tá portando pistola
Rico não entende nada
Se pá ele não sabe nem fazer a rabiola
Mas final de semana ele vem
Pra curtir o baile da Gaiola
Se controla!
Só me dá atenção quando quer rebolar?
Que ironia
Lançou o disfarçado, navalhou a sobrancelha
E acha que é cria?
Essa mania burguesa
Chega me dar alergia…
A favela lança tendência a todo momento. Musicalmente, foi o território onde tantos ritmos surgiram e se eternizaram, como o samba e o funk. Entretanto, o conteúdo que a favela exporta sempre sofre um preconceito inicial e, depois, é apropriado por quem é do asfalto. O funk sofre com esta questão há algum tempo. Ao mesmo tempo que é comum vermos festas e boates lotadas com o funk tocando, os bailes dentro da favela sofrem constante perseguição e embarreiramento.
Em 2019, tivemos o Espaço Favela no Rock in Rio, um dos maiores eventos musicais do mundo e o DJ Rennan da Penha sendo indicado para prêmios nacionais e internacionais – inclusive ganhando o Prêmio Multishow na categoria Canção do Ano com “Hoje eu vou parar na Gaiola”. Entretanto, essas conquistas não foram suficientes para que o funk e o que vem da favela parasse de sofrer com o preconceito.
A prova disso é a prisão do Rennan da Penha por organizar bailes em sua favela. Incomoda ver que tem gente que sobe a favela para se apropriar da nossa cultura, mas não faz nada quando um dos principais artistas do funk é condenado injustamente.
Nos viram as costas, ignoram nossa realidade
Nos rotulam de bandidos, traficantes
Negam oportunidades
Não sabem que aqui são os traçantes
Que todo dia trazem claridade
É verdade o que falo
Pode se comover
Pq daí onde tu mora não tem como ver
A bala comendo e eu, como o que?
Se nem pra ir na padaria dá mais pra descer
Meus irmãos morrendo, não dá nem pra sonho ter
Até os 30 anos, quantos vão sobreviver?
Me pergunto isso todo Carnaval
Na Páscoa eu nunca vi chocolate no quintal
E eu quero ver tu não se assustar no Natal
Quando na hora da ceia escutar cantando o ponto30 e a parafal
Quando o Estado e parte da sociedade civil ignora a favela enquanto território dotado de direitos, seus moradores, através da lógica de sobrevivência, se organizam e seguem. Porém, essa organização não consegue alcançar todas as demandas de um espaço complexo como este.
Problemas de infraestrutura dificultam o dia-a-dia; estigmatizações seculares permanecem sendo alimentadas, tentando nos colocar como os inferiores, subalternos e submissos que nunca fomos – nem nunca seremos.
No vácuo social, econômico e político que atinge a favela, processos são inseridos. Meninos de bermuda e chinelo são encarados como “grandes traficantes” enquanto os grandes e reais traficantes estão muito longe dali, em alguma cobertura beirando o mar ou em alguma casa parlamentar.
A quem quiser superar essa condição, o mundo não dá trégua: recebemos os menores salários, os piores empregos e, por morarmos “mal” ou “longe”, segundo o “asfalto”, muitas vezes nem isso conseguimos. O emprego informal quase sempre é a única saída – quando há.
É, irmão… A realidade aqui as vezes é triste
Mesmo assim a gente nunca desiste
O sorriso ainda tá em todos os lugares
O lado daqui o Governo não assiste
Mas a gente resiste
Toda Favela é Quilombo lotada de Zumbi dos Palmares
Então tome ciência
Que chegamos com irreverência
Independente do que aconteceu, nunca perdi minha essência
E sigo cada vez mais confiante que Favela é sinônimo de resistência.
Apesar dos problemas construídos historicamente, a favela segue reforçando a cada dia que ela é a solução a partir de seus moradores e comunicadores favelados cujo papel crucial é disseminar ideias e construir novas maneiras de interferir nas imposições da sociedade.
A favela é um organismo vivo, forte, potente e resistente, que atravessou décadas de dor através dos corpos e das mentes de quem viveu séculos de açoite. Que este 4 de novembro, um Novembro Negro, nos inspire e nos fortaleça para continuarmos em uma luta que não cessa em nenhum momento: a luta pela vida. Porque favela é vida!
Para os nossos e pelos nossos, amor. Sempre!