Quinta-feira, oito da noite. Cabeça cheia, corpo cansado. Os últimos dias têm sido bem estressantes. Notícias de violência pelo país, ódio por toda parte, comentários de gente próxima que chegam a assustar.
Estou dentro do metrô. Olho ao meu redor e percebo o cansaço estampado nos rostos. Cansaço da rotina, dos problemas da vida e, sobretudo, do clima pesado que parece estar em todos os lugares.
Em meio às conversas paralelas, uma voz se sobressai:
Teste 3
– Boa noite, pessoal! Estava aqui sentado, seguindo minha viagem, mas decidi me levantar e pedir a ajuda de vocês. Se puderem prestar atenção, por favor, ficarei muito agradecido.
O desconhecido tinha uns 35 anos, cabelo preto, magro, semblante abatido. Olho para os lados e noto que alguns o ignoram, outros observam atentamente.
– Sou casado e pai de duas crianças. Já perdi a conta de quantas vezes saí de casa para procurar emprego. Volto hoje, mais uma vez, sem nada. E com medo.
Ele põe as mãos dentro da bolsa apoiada ao ombro e pega alguns papéis.
– Não estou aqui para pedir dinheiro ou comida, mas um favor. Este é meu currículo. Sou formado em elétrica e já trabalhei em alguns cargos administrativos…
Ouço um ruído repentino e o metrô para. Alguns se levantam e o desconhecido interrompe a fala. As portas se abrem e vários passageiros deixam o trem – chegaram ao seu destino. Por outro lado, outros tantos ingressam no vagão.
As portas se fecham e o desconhecido volta a falar:
– Como estava dizendo… Tenho família em casa me esperando. Se alguém souber de algum lugar com vagas e puder receber meu currículo, ficarei muito agradecido.
Por um momento, desvio a atenção para um homem à frente, que acabou de embarcar. Parece ter uns 25 anos, pouco mais claro que eu e barbudo. Aparentemente nervoso, ele comenta: “Entro no metrô lotado e ainda tenho que ouvir vagabundo pedindo esmola? Vai trabalhar, rapaz!”.
Na mesma hora, observo várias pessoas protestando contra a dura declaração. Até que uma jovem ruiva, cabelo curto, com livros no colo, estala os dedos e chama a atenção do homem:
– Você sabe o que está acontecendo ali na frente? Ele não veio pedir esmola nenhuma, muito pelo contrário. Está mostrando o currículo e pedindo ajuda para conseguir emprego.
O homem responde:
– Só não consegue emprego quem não quer, neste país. Pra mim, isso é vagabundo se vitimizando…
Ela rebate:
– Você tá louco? Acho que não tem noção da situação. Se não pode ajudar, é melhor ficar calado.
Algumas pessoas gritam em tom de aprovação e, com expressão não muito amigável, ele se cala, põe o fone de ouvido e encosta a cabeça no vidro da janela.
Minha atenção se volta ao desconhecido, que, naquele momento, entregava o currículo a algumas pessoas.
Novamente, ouço o ruído dos freios e o metrô para. As portas se abrem e o desconhecido, guardando os papéis que sobraram, vai em direção à saída. Antes de ir embora, porém, diz:
– Às vezes, temos que ter humildade e reconhecer que precisamos de ajuda. Todos aqui já precisaram ou precisarão, e isso não é vergonha nenhuma. Agradeço aos que me ouviram e lamento muito por aqueles que não conseguem compreender as dificuldades dos outros.
Ele desembarca e segue seu caminho, em meio a aplausos dos passageiros. O autor da infeliz declaração continua no trem, sozinho, encostado na janela com seus fones de ouvido.
Olho para o lado e um grupo de jovens debate a situação. Conversamos um pouco sobre a importância de ter empatia pelos outros, principalmente em tempos difíceis como estes.
Uma vez mais, aquele barulho. O metrô para e preciso descer. Ainda estou cansado, mas o termo esperança nunca fez tanto sentido.
#NinguémSoltaAMãoDeNinguém