FOTO: O ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, em audiência pública na Câmara dos Deputados, em março de 2017: o corpo fala. (Foto: Lula Marques)
Texto: Marcelo David Macedo
Na primeira segunda-feira do mês de fevereiro, o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, apresentou um pacote de mudanças que propõe alterações em 14 leis do Código Penal, da Lei de Crimes Hediondos, do Código Eleitoral, da Lei de Execuções Penais e do Código de Processo Penal, chamando esse compilado de “lei anticrime” – nome um tanto estranho, como se fosse possível existir alguma lei a favor do crime. Na prática, tais medidas tornarão ainda mais duras leis que já existem, mas cuja aplicação, pelos mais diversos motivos, não funciona como deveria.
Um dos pontos mais questionáveis da proposta de Moro está na ampliação da definição de “legítima defesa”, que pode significar uma permissão judicial para que policiais pratiquem o uso excessivo da força, ou até mesmo mantém em serviço, sem que sejam responsabilizados por isso – basta alegar que agiram por “medo, surpresa ou violenta emoção”, de acordo com o texto da lei.
Sabe-se que a polícia já age dessa forma, principalmente nas favelas, e que os mecanismos de investigação e controle das ações policiais quase nunca são eficazes, mas o grande problema da nova lei de Moro é que ela garante aos policiais que nada irá acontecer caso eles sejam violentos. O auto de resistência, nome que se dá ao cenário onde o indivíduo é morto pela polícia durante ocorrência, é uma das principais garantias da impunidade pois diz que a vítima reagiu à abordagem dos policiais – no entanto, são muitos os relatos de autos de resistência onde as pessoas são executadas com tiros pelas costas e mãos amarradas, posições em que nenhum ser humano no mundo tem condições de reagir.
A gravidade do uso da “legítima defesa” em situações que causem “medo, surpresa ou violenta emoção” no policial fica ainda mais clara quando usamos como exemplo algo que acontece diariamente nas favelas e nas periferias do Rio de Janeiro: vivemos numa cidade onde a polícia mata por confundir guarda-chuva com um fuzil, como aconteceu com o garçom Rodrigo Alexandre da Silva Serrano, 26 anos, morto pela PM na favela Chapéu Mangueira, zona sul do Rio, em agosto de 2018.
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FOTO: O sangue e os objetos de Rodrigo marcam o asfalto graças a uma PM que o executou por engano. (Foto: Reprodução)
Caso as mudanças propostas por Moro em vigor, basta o policial afirmar que agiu dessa forma pois se sentiu com medo, surpreso ou em estado de “violenta emoção” que estará livre de qualquer acusação. E ainda há um outro ponto, tão grave quanto: tal dispositivo beneficiará grupos de extermínio e paramilitares instalados em espaços populares da cidade, como as milícias. Caso um policial ligado a grupos milicianos cometa um homicídio, pode alegar o mesmo, e assim dificilmente será responsabilizado.
Pretos e pobres, já caçados por um Estado racista e violento, perdem e muito com essa lei. A favela, no alvo desde sempre, ficará mais vulnerável por conta de ações como essa, propostas por um governo que, em 39 dias, já mostra as intenções que tem. Soma-se isso à fala do governador Wilson Witzel (PSC), que prega o abate de pessoas armadas na favela bastando “mirar na cabecinha” como se a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro fosse competente e não cometesse erros como o que matou Rodrigo no ano passado. Assim, governos federal e estadual, juntos, apontam a arma para a favela, ansiosos para que o massacre comece.