Para pessoas com a história de vida como a de Raimundo e Israel, as letras e o mundo digital nunca fizeram sentido
Enquanto o mundo discute a era digital e as perspectivas de tecnologia móvel do futuro, no Rio de Janeiro existem mais de 30 mil moradores de favelas com mais de 15 anos que são analfabetos. O dado é do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010. Segundo o órgão, os dados de mais de 30 favelas com Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) foram levantados, entre elas o Complexo do Alemão, Borel, Cidade de Deus, Pavão- Pavãozinho, Cantagalo e a Vila Kennedy. Esta última é a comunidade com menos analfabetos: apenas 3,8% das pessoas não conseguem decodificar uma frase na língua portuguesa. Na outra ponta, com mais analfabetos, estão o Chapéu Mangueira e a Babilônia, na Zona Sul, com mais de 11% de pessoas que não sabem ler e escrever.
No Complexo do Alemão, na Zona Norte, vivem pessoas como o seu Raimundo Pedro dos Santos, de 55 anos. Vindo de Caruaru, em Pernambuco, há cerca de 40 anos, Raimundo é um dos mais de três mil analfabetos com mais de 15 anos que residem nesta comunidade. O senhor, que aparenta ter mais idade do que a registrada, conta que não precisou se alfabetizar porque sempre trabalhou com obras.
Teste 3
Hoje, já aposentado, colabora com a limpeza do condomínio em que mora, para “ganhar um dinheiro para comprar um arroz, um feijão, alguma coisa”. E foi lá, através do síndico do condomínio, há cerca de um ano, que o desenho das letras pôde começar a fazer sentido para Raimundo. “O patrão chamou a gente dizendo que tinha arrumado uma escolinha para aprendermos a ler e a escrever. Eu não sabia fazer meu nome, agora sei. Estou começando a ler, conhecer número, agora estou aprendendo, sei bloco 8, 7, apartamento 208, 203”.
A escolinha é o projeto “Mulheres Guerreiras”, onde cerca de 12 voluntários oferecem gratuitamente aulas de reforço escolar para cerca de 100 alunos, entre adultos e crianças, sem nenhum tipo de auxílio do Estado, no salão de festas do Condomínio das Palmeiras, uma localidade do Complexo do Alemão. Lá também estuda Israel da Silva Fernandes, de 42 anos, que trabalha na portaria do condomínio, convocado pelo síndico, assim como aconteceu com Raimundo. Cria da Pedra do Sapo, no mesmo Complexo, Israel diz que se alfabetizar é uma oportunidade de melhorar de vida: Eu quero subir na vida, crescer, ser estudante e tentar ser alguém. Quero ensinar as pessoas lá na frente -, conta Israel com os olhos avermelhados e uma dicção de difícil compreensão.
Israel fala também que saiu da escola porque era muito brigão e que agora, anos depois, está voltando e já sabe fazer seu próprio nome, “mas outra palavra eu não sei mais”.
“Larguei a escola porque eu era muito arteiro; ao longo da vida de muito trabalho, relaxei, agora tenho que me recuperar, depois de velho, porque quando novo não me recuperei. Ocupar a cabeça, tomar um rumo, prestar atenção no estudo agora”.
Com a alfabetização, além de ler as palavras, Israel parece ter enxergado um mundo de possibilidades. “Peguei essa oportunidade aqui (de alfabetização). Nunca precisei dela, então eu não tive mais, agora quero ela de volta. Quero trabalhar de carteira assinada, pensar no estudo, em tudo de melhor pra mim. Largar o mundo de cachaça, de drogas, pensar no futuro. O passado já está atrás, tem que olhar pra frente e agora, é só vitória”.
Confira os dados da pesquisa na íntegra: http://www.riomaissocial.org/territorios