Superlotação, atrasos e poucos ônibus afetam cotidiano de moradores da Cidade de Deus

Quem trabalha ou apenas se desloca para compromissos reclama que espera horas no ponto para conseguir chegar no Centro ou em outras localidades da cidade
Foto: Vilma Ribeiro / Voz das Comunidades
Foto: Vilma Ribeiro / Voz das Comunidades

Nos últimos anos, moradores da Cidade de Deus tiveram que adquirir, contra vontade, o dom da paciência. Desde que o projeto do BRT foi concluído, quem vive na região sofre uma verdadeira peregrinação para ir aos locais, como o Centro da cidade, Méier e Madureira entre outros bairros. Alguns ônibus, segundo relatos, desapareceram e outros, quando chegam nos pontos da comunidade, vêm lotados e muitas vezes não dá para entrar.

A moradora Rosângela, que vive na região há cerca de 60 anos, relata o descaso das empresas com os transportes públicos da região. “Desde que fizeram o BRT, tivemos uma perda expressiva de condução”, afirma ela que já foi bem ativa em questões sociais na comunidade. “A linha 240, que era Cidade de Deus até Candelária e depois passou pra Praça XV, desapareceu. Foi banida”, revela. 

Passageiros demoram, por vezes, mais de uma hora para pegar ônibus.
Foto: Vilma Ribeiro / Voz das Comunidades

Ela ainda diz que, para ir ao Centro, os moradores precisam ir até a Alvorada e pegam o ônibus que faz o trajeto pela Zona Sul, até a Central do Brasil. Uma outra opção, segundo ela, seria utilizar um transporte que vai à estação de metrô Jardim Oceânico, na Barra da Tijuca e de lá partir para a região central da cidade. “É mais dinheiro de passagem. Ficamos sem condições de ser contratados por algumas empresas, pelo custo financeiro. Pois eles dão preferência a quem pega um ônibus só”, explica Rosângela. 

Teste 3

A linha 368 também se tornou um problema para se locomover até o Centro. Agora o ônibus passa de hora em hora e, com ponto no Riocentro, eles vem pegando passageiros em todo o caminho. “Quando chega na Cidade de Deus, não tem mais espaço para os moradores”, explica.

A linha para o centro demora e, segundo a moradora, vem cheio nos horários em que a maioria precisa sair para trabalhar
Foto: Vilma Ribeiro / VozdasComunidades

Aqueles que precisarem resolver algum compromisso no Meier, tem de pensar na preparação para pegar o transporte. Os moradores precisam acordar cedo e depois arrumar uma outra forma de voltar. “Nós temos que esperar o 690, que vem da Alvorada pra ir ao Méier. Esse só tem das 6h às 8h da manhã. Aí ele retorna às 4 da tarde e vai até 8 horas da noite. Entre esse período, nós temos que pegar 3 ônibus”, declara Rosangela. 

Já para Madureira, as opções são: pegar o BRT lotado ou fazer baldeação no bairro do Tanque e pegar outro transporte, o que faz a viagem ser ainda mais demorada e cansativa.

“Eu ja desisti”

A diarista Jany Mare de Jesus diz que já desistiu diversas vezes de esperar a linha 348, da Viaçaõ Redentor, que faz um trajéto mais rápido para o Centro, com destino final Candelária. “Eu já fiquei 3 horas esperando o ônibus. Em dias de feriados e domingos, não tem ônibus mais!”, declara Jany. 

Ela também afirma que pegar o BRT seria uma saída, se as condições não fossem tão ruins. “Quando você pega o BRT, tem banco caindo, fica chovendo dentro do ônibus, tem baratas, insetos”. A diarista ainda reforça o que foi dito por Rosangela. “Ele vem lotado em qualquer horário, com a porta aberta, gente pendurada e, muitas vezes, eu não consegui descer no meu ponto”, ressalta desanimada.

Jany já esperou 3 horas por um ônibus, mas desistiu de chegar no compromisso.
Foto: Vilma Ribeiro / Voz das Comunidades

Inclusieveum cidente já aconteceu com a mãe de Jany, devido às más condições dos transportes. A barra de ferro em que o passageiro segura estava solta. Isso aconteceu quando a idosa estava vindo do Meier. “A minha mãe caiu dentro do ônibus na semana passada. Ela já tem 74 anos. Tiveram que parar o ônibus para ela descer, porque machucou o braço”, conclui a trabalhadora.

E o que a Prefeitura diz que vai fazer?

Na última sexta-feira (20), Eduardo Paes assinou um documento em que definiu algumas medidas, como manutenção do valor da passagem para R$4,05. Além disso, o município ainda administra o BRT.

Em entrevista ao Centro de Operações do Rio, o gestor disse que deu um incentivo às empresas, para que se tenha mais ônibus circulando pelas ruas da cidade. De acordo com Paes, quem vai pagar a conta é a Prefeitura do Rio e não a população.

O problema da falta de transportes é antigo. Hoje funcionam 29 empresas de ônibus e 11 estão em recuperação judicial, alegando prejuízos, por causa da pandemia. Em 2010, eram 45 empresas que prestavam serviços à população. 

Mas em 2015, a diminuição das linhas de ônibus começou a valer como medida oficial. Segundo a prefeitura, o objetivo era reorganizar o transporte público. Já na prática, os moradores da Cidade de Deus sentem na pele o descaso de um plano que não consultou a população. 

“Na gestão anterior do Eduardo Paes, que lançou o BRT, não deram satisfação pra gente. Você de repente acorda e não tem mais ônibus e não sabe para onde vai”, conclui Rosângela. 

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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