Qual a relação entre favela e gestão pública?

Ultimamente tenho me perguntado sobre até onde a administração pública como um todo influencia no cotidiano de uma favela. Estudei gestão pública na Universidade Federal do Rio de Janeiro e uma das primeiras coisas que aprendi foram os princípios da administração pública: Legalidade, moralidade, impessoalidade, eficiência, eficácia, efetividade, transparência e por aí vai…

O profissional público é aquele responsável pelo gerenciamento das atividades das instituições governamentais, podendo ter como campo de atuação o planejamento, monitoramento e execução de determinada política pública. São nessas etapas que a qualificação desse profissional se torna mais necessária para fazer valer os princípios citados anteriormente. No papel, se esses conceitos fossem seguidos à risca, é evidente que teríamos uma melhor prestação de serviços à população. Contudo, são nas áreas onde a pobreza se manifesta e há uma grande concentração de pessoas que dependem dos serviços públicos para poder ter acesso a saúde, educação, lazer e os demais serviços básicos, que a ineficiência da administração pública faz a maior diferença.

Na favela, as pessoas ficarão doentes e sem tratamento se não houver saneamento e equipamento público de saúde funcionando devidamente. Os moradores ficarão com baixo grau de escolaridade e, consequentemente, serão menos competitivos no mercado de trabalho caso não exista escolas suficientes ou se as escolas existentes não tiverem um ensino qualificado. Se não ocorrerem atividades frequentes de esporte, cultura e lazer, os moradores ficarão à mercê das atividades que ocorrem no dia a dia do local. Infelizmente, não é novidade que um dos principais fatores de atração, principalmente por parte dos jovens, para o tráfico de drogas é a falta dessas atividades que deveriam ocasionar uma melhor ocupação do seu tempo, foco e energias.

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E falando sobre o tráfico de drogas, é preciso considerar que a segurança pública é um dos principais desafios a serem enfrentados pelos agentes governamentais. Nas favelas, o tráfico de drogas, os conflitos armados, a constante violação dos direitos humanos e a falta do direito de ir e vir dos moradores ocasiona um terreno fértil para a construção e permanência de uma população com um baixo grau de desenvolvimento em todos sentidos. Relatos de empresas que se mudaram por conta da falta de segurança ou de pessoas que não conseguiram empregos apenas por conta do local onde moram ainda são constantes. A situação ainda se torna mais grave se considerarmos o tipo de desenvolvimento que as crianças e jovens possuem vivendo diariamente nesse meio. Se a situação não mudar, as próximas gerações estão destinadas a ficarem estagnadas nessa situação atual tão degradante. Será que as atuais políticas de guerra às drogas têm apresentado resultados satisfatórios?

Tendo trabalhado cerca de dois anos em um Programa Governamental no Complexo do Alemão posso realizar algumas reflexões sobre esse assunto que trata sobre a gestão pública e favela.

Primeiramente, é preciso observar que a favela representa uma realidade bem especifica dentro das grandes cidades. Ao considerar essa afirmação, pode-se concluir que todo o processo que envolve a ação pública nessas localidades precisa levar em conta os distintos fatores que são mais marcantes no cotidiano dessa população. É de extrema importância que nossos representantes do setor público tenham uma agenda que priorize as ações nas favelas, promovendo estudos, debates e discussões sobre os temas mais marcantes, com a participação de instituições de diversos setores e representantes e lideranças da sociedade civil para a realização de projetos. Também se torna indispensável a disponibilização de maiores verbas orçamentárias e profissionais qualificados que entendam essa realidade para uma atuação sólida, democrática, eficiente e com resultados nos setores prioritários e com maior urgência de aprimoramento.

Estamos vivendo uma grave crise política em todas as esferas governamentais e isso repercute diretamente em nossa sociedade. Existe uma extrema desconfiança nas instituições públicas e seguindo o raciocínio aqui apresentado, considerando o processo histórico de formação das favelas e os anos de abandono por parte do poder público que vimos até hoje nessas localidades, não é possível projetar avanços pelo menos em um curto prazo de tempo. Se o poder público falha como um todo o reflexo é absurdamente maior nas áreas com os indicadores sociais e econômicos mais baixos.

É por isso que o Estado e Município do Rio de Janeiro precisa investir cada vez mais na contratação de profissionais qualificados tecnicamente, com vocação, ética e visão social para servir o público. Os recursos públicos precisam ser empregados em benefício de toda a sociedade e destinados prioritariamente a quem mais necessita. E a sociedade também precisa fazer a sua parte. É necessário cobrar, participar, lutar e nunca parar de tentar conseguir melhorias. Lembrando que o poder do voto é crucial nesse processo. É preciso contar com indivíduos que levantem a bandeira das favelas nos representando principalmente no poder legislativo. Até porque nas favelas não existem apenas coisas ruins, muito pelo contrário, lá existe uma riqueza incrível que ainda não está sendo explorada em sua plenitude. Lá existem pessoas batalhadoras, com um imenso potencial em todas as áreas e vocações, que só precisam de um empurrãozinho e incentivos para mostrar trabalhos e resultados que irão impressionar a todos.

Favela precisa virar prioridade nos governos e essa luta passa por todos nós. Vamos em frente acreditando e batalhando por um futuro melhor. O desafio não é fácil, no entanto, nossa gestão pública precisa apresentar melhores resultados para desenvolver um trabalho que surtirá efeitos positivos para esse povo que tanto merece e precisa.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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