Projeto MUDA VK: Morador faz gerenciamento de resíduos orgânicos na Vila Kennedy

Ravengard é amante da natureza e engajado em questões ecológicas
Ravengard Veloso. Foto: Laerte Breno / Voz das Comunidades

Fabiano, ou melhor, Ravengard Veloso, como é conhecido desde o final dos anos 80, pela barba e cabelo grande que lembrava um bruxo da famosa novela “Que Rei Sou Eu”. Morador da Vila Kennedy, zona Oeste do Rio de Janeiro, aos 56 anos, já escreveu um livro, é ator de teatro, movido pela ancestralidade, amante da natureza, engajado nas questões ecológicas e repassa seu conhecimento conscientizando crianças e adultos. 

A arte e a ecologia estão presentes na vida de Ravengard desde a infância. Ele conta que foi criado no mato, subindo montanhas, acampando com os amigos e a conscientização sempre esteve presente. “A gente era consciente, fazíamos parte de um grupo consciente que acampava. A gente tinha aquela coisa de jamais deixar uma sacola de plástico de lado. Pelo contrário, a gente limpava as praias depois do acampamento. Mas fazia instintivamente, só vim ter noção disso muito mais tarde. Já era automático”, conta.

O morador da Vila Kennedy tem um papel muito importante na comunidade e por vários lugares que passou levando seu projeto de Movimento Urbano de Alimentação (MUDA). O principal eixo do trabalho de Ravengard é o gerenciamento de resíduos orgânicos. Ele diz que jogamos no lixo coisas que podem ser reaproveitadas, mas infelizmente desperdiçamos. “Mais de 50% do material que é orgânico vai parar em lugar indevido quando deveria virar recurso, isso tá equivocado. Usamos o dinheiro público, nosso dinheiro de impostos, pegamos o material que desconhecemos o valor e enterramos. É uma cultura de desperdício errônea”, explica. 

Teste 3

Segundo ele é possível reaproveitar tudo, transformar um material em outro com itens que iriam parar no lixo. Além do benefício em produzir o próprio alimento natural e saudável. “É possível a reutilização de tudo que você puder imaginar. Você muda a economia, você muda a saúde, muda a alimentação, é terapêutico e fácil de fazer. Imagina em larga escala? E por que desperdiçamos?”

O principal eixo do trabalho de Ravengard é o gerenciamento de resíduos orgânicos. Foto: Laerte Breno / Voz das Comunidades

Projeto MUDA

Ravengard Veloso desenvolveu uma técnica chamada “Substrato Instantâneo”, que mistura grama, folha de amendoeira e folha de mamona. Com esse material é possível plantar qualquer coisa. A técnica despertou interesse em membros do espaço acadêmico.

A metodologia de Ravengard chamou a atenção de uma professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Lucia Andrade, na época era a responsável pela área de Sistema Nutricional. A professora convidou Ravengard para uma palestra no programa de extensão MUDA (Mutirão de Agroecologia), que faz parte do Núcleo Interdisciplinar para o Desenvolvimento Social (NIDES). “Ela soube dos alfaces que eu fazia diferente e me convidou para dar uma palestra no projeto MUDA da UFRJ. Eu dei uma aula teórica sobre o material, sobre reprodução de muda. Aí os alunos perguntaram se eu não podia voltar para fazer aula prática. Quando eu tive contato com o MUDA, eu me senti como se tivesse em casa”, conta. 

Desde 2015 Ravegard faz parte do Mutirão de Agroecologia e a ideia dele de gerenciamento de resíduos, virou uma das linhas de ação do projeto. A técnica de Ravengard deu origem a mais um projeto o ‘Movimento Urbano de Alimentação’ (MUDA). “O Movimento Urbano de Alimentação nasce da união do Sistema Nutricional com o Mutirão de Agroecologia, misturou as duas coisas. Eu usei a sigla MUDA para ‘Movimento Urbano de Alimentação’, MUDA em outro contexto e peguei uma logo daqui, da galera de hip hop”.

Ravengard desenvolveu a técnica do “Substrato Instantâneo”. Foto: Laerte Breno / Voz das Comunidades

Conhecimento que alcança diversos públicos e espaços

Além de conversas ricas em conteúdo, dicas e aprendizado, Ravegard leva conhecimento ministrando palestras e oficinas. O público é diverso, além de escolas e universidades, já palestrou para militares e jovens do Degasi (Departamento Geral de Ações Sócio Educativas). 

Mas, conscientizar as pessoas sobre questões ecológicas não é fácil. Falta comunicação e presença de poder público nesta causa. Ele conta como faz para conseguir que seu discurso alcance diferentes públicos: “eu sou ator com todo mundo. Eu uso muito o lúdico e uso o teatral para fazer isso”.

As exposições também fazem parte desse ciclo e a metodologia de Ravengard impressiona profissionais de outras áreas. Ele conta a experiência de provar que é possível plantar em qualquer lugar: “fiz uma exposição, era uma feira agroecológica com tecnologia. Aí os engenheiros perguntavam o que a gente tava fazendo ali, aquela coisa de engenheiro. Eu não queria ficar muito preso, não sabia dos materiais e eles queriam desenhar. Daí eu fiquei estressado e viajei, falei, ‘eu vou fazer uma horta aqui, plantar e instalar um equipamento de laser, cortar o solo e fazer as coisas flutuarem’. Eu já tinha plantado em placas de vidro que visualmente olhando, dá a sensação que as coisas estão flutuando. Era para provar que é possível plantar em qualquer lugar”.

A exposição nomeada “Artcabeau”, traz em seu nome mais uma história inusitada da vida de Ravengard. O nome surgiu na aula de um curso em que conseguiu bolsa de estudos. A professora era francesa e os alunos estudiosos de arte. “A conversa era sobre o art déco e art nouveau, de Paris. Eu desenhei uma camisa com um lado maior que o outro, linda, mas torta, ela é simétrica. E eu falei, ‘professora, houve o momento do art déco e art nouveau e hoje ‘arcabou’. ‘Arcabou’ material, ‘arcabou’ minha paciência. Então escrevi em francês, artcabeu, acabou muda”. 

Exposição Artcabeau na Ambientável de 2017. Foto: Luck Veloso

A conscientização nas crianças da Vila Kennedy

Antes de se dedicar ao projeto na UFRJ, Ravengard já realizava o trabalho ecológico na Associação de Moradores do Quafá. Ele recolhia materiais na feira para reutilizar e juntava folhas espalhadas no chão dos becos e vielas da Vila Kennedy. Mas, os moradores da comunidade que não compreendiam a importância desse trabalho, pré julgavam o ato. “As pessoas não entendem, as pessoas achavam e falavam na comunidade que eu tinha enlouquecido, porque me viam catando folhas”.

O olhar desses moradores, em sua maioria adultos, é contrário a percepção das crianças da comunidade, que abraçam a causa. Elas ajudam a recolher folhas e segundo ele, querem fazer oficinas o todo tempo.

Conexão com a natureza. Foto: Laerte Breno / Voz das Comunidades

Ravengard foi convidado para dar uma palestra na Semana de Engenharia Ambiental da UFRJ e teve a brilhante ideia de passar essa responsabilidade para as crianças. Ele levou as crianças da Vila Kennedy para dar uma palestra na universidade e contar tudo que elas haviam aprendido. “Eu fiquei na plateia, quem deu a palestra foram eles. Eu pedi a organização que em vez do meu certificado, fizesse para as crianças. Foi eufórico, foi demais!”

O sonho de Ravengard

Ravengard compartilhou seus desejos interiores e sonhos para o futuro: “o meu sonho é ver todo mundo trabalhando junto, todo tipo de ser humano. Sem partido de esquerda, de direita, apenas seres humanos. As forças armadas, a educação, os políticos. Vamos trabalhar para os seres humanos, vamos trabalhar para uma melhor qualidade de vida. Vamos gerenciar esse material, vamos transformar em alimentação saudável. É possível!” 

Foto: Laerte Breno / Voz das Comunidades

Veja entrevista com Ravengard no programa Viva Voz

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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