Ilustração: Raife Sales / Voz das Comunidades
“Os menó ficaram de bobeira comigo”. Assim que o escritor Geovani Martins, nascido em Bangu e crescido no Vidigal, chegou na literatura brasileira com o livro O Sol na cabeça (2018). A obra, escrita com uma máquina de escrever, traz 13 contos sobre a infância e a adolescência de moradores das favelas, retratando atividades como idas à praia, brincadeiras e namoros, além de mostrar o convívio com a violência e discriminação racial.
Geovani mostra com o seu primeiro livro que há encantos na linguagem típica das favelas, repleta de gírias e malícias. A narração detalhada também chama a atenção. O autor descreve sensações, sentimentos e o ambiente de um jeito que você se enxerga em cada contexto. O fortalecimento dos laços e das amizades é um ponto forte do livro.
“Acordei tava ligado o maçarico! Sem neurose, não era nem nove da manhã e a minha caxanga parecia que tava derretendo. Não dava nem mais pra ver as infiltração na sala, tava tudo seco. Só ficou as mancha: a santa, a pistola e o dinossauro. Já tava dado que o dia ia ser daqueles que tu anda na rua e vê o céu todo embaçado, tudo se mexendo que nem
Trecho do conto “Rolézim” – O Sol na Cabeça, Geovani Martins (2018)
alucinação. Pra tu ter uma ideia, até o vento que vinha do ventilador era quente, que nem o bafo do capeta. Tinha dois conto em cima da mesa, que minha coroa deixou pro pão. Arrumasse mais um e oitenta, já garantia pelo menos uma passagem, só precisava meter o calote na ida, que é mais tranquilo. Foda é que já tinha revirado a casa toda antes de dormir, catando moeda pra comprar um varejo. Bagulho era investir os dois conto no pão, divulgar um café e partir pra praia de barriga forrada. O que não dava era pra ficar fritando dentro de casa. Calote pra nós é lixo, tu tá ligado, o desenrolo é forte.“
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O Sol na cabeça foi um sucesso absoluto: antes mesmo de ser lançado no Brasil, já tinha sido vendido em nove países. No ano de lançamento (2018), o livro foi o terceiro mais vendido da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP). É difícil escolher um conto preferido em meio a tantas histórias geniais e que geram identificação com quem vem da favela. O conflito de vivências fica escancarado quando o autor conta quando um “playboy” achou que seria assaltado por ele e seus amigos. Apesar de ser revoltante, ser visto como bandido foi algo que Geovani aprendeu a lidar, muitas vezes, com humor. Duras policiais também são contadas em alguns momentos do livro.
Definitivamente, este livro é um marco na literatura de favela. Um retrato de jovens que, como o autor, largam o estudo no meio do caminho e precisam trabalhar e se virar para sobreviver. Geovani Martins estudou até a oitava série e, ainda assim, buscou na literatura um refúgio para as dificuldades da vida e conseguiu vencer.