Na foto, um bar. Um homem faz anotações em seu caderno. Ao seu lado, garrafas de uísque e cachaça enfileiradas sob o balcão. Mais ao fundo, uma prateleira com cigarros enfileirados. Em outra foto, duas mulheres sorriem para a foto. Sentadas em frente à uma casa, o que chama a atenção na foto são os elementos desenhados que se mesclam com a realidade do retrato. O cabelo, repleto de flores, dá mais vida para a foto. E, no terceiro retrato, a favela é feliz e muito colorida. As cores se harmonizam, fazendo daquele lugar algo mais fantástico do que já é.
Trazer essa visão de dentro da favela para o mundo é enviar uma mensagem, expressando o quanto que o espaço das regiões periféricas consegue ser tão rico em arte. É esse expressionismo que Bruna Gomes, Bruna Almeida e Marlon Soares, jovens artistas e moradores de comunidade do Rio de Janeiro, retratam em Visão de Cria, uma mostra fotográfica exposta no Memorial Getúlio Vargas, no bairro Glória, no Rio de Janeiro. O trio, cada um de uma comunidade, retratam em suas obras expostas, mais do que apenas a visão do cotidiano. A inspiração se funde com emoções do passado e também com uma forma de ver a vida.
Bruna Gomes, conhecida por @DABG, simultaneamente, leva à exposição uma comunidade colorida, sem deixar de apontar críticas sociais em um dos seus quadros. Bruna tem 23 anos, é moradora da Vila Cruzeiro, Zona Norte do Rio de Janeiro.
Teste 3
Ela enxerga a oportunidade da exposição como um primeiro grande passo e e sabe da importância da mensagem que envia através de sua arte. “Expressar é retratar a minha vida. A minha realidade e daqueles que estão ao meu redor, para que eles se sintam contemplados nesse meio da arte. Para que eles se enxerguem ali, assim como eu tô me enxergando.”
Marlon Soares, de 22 anos, chegou no Complexo da Maré com 12 anos de idade, quando seus pais faleceram. Criado pela avó junto com os irmãos, o fotógrafo aborda em suas fotos o Complexo da Maré e e Complexo do Alemão que brilham, mesmo sem cores.
O artista comemora que a exposição esteja acontecendo e aborda que a identificação só acontecerá para quem é da comunidade. “A gente tá aqui em um local que é frequentado majoritariamente por pessoas brancas de classe média. Elas vão olhar as minhas fotos e não vão conseguir se conectar. Mas a minha missão é mostrar para essas pessoas um olhar além do que elas vêem na TV. Eu quero mostrar nosso modo de viver, de sobreviver, de sorrir e de mostrar a voz e o poder que a favela tem.”
Bruna Almeida, 21 anos, traz a questão da representatividade que não tinha quando era mais nova. Os cabelos de flores e as colagens em desenho trazem o melhor de dois universos; o real e o imaginário. “Eu gosto muito de usar fotografias pra ter um gatilho que me desperta uma lembrança afetiva mesmo. Aí pego a foto, altero o fundo com uma colagem… Vou muito nesse caminho.”
Muito do que traz nas suas obras, ela busca na questão da representatividade e na autoestima de quando era criança. “Sempre coloco um cabelo de flores nos meus personagens. Faço isso desde a minha infância, pois era assim que eu conseguia me enxergar no espelho. Me sentir bem com a minha imagem”, relata.
“Visão de Cria” é a primeira exposição do curador Bruno Oliveira, de 21 anos. Natural de Campo Grande, o jovem já faz a sua estreia no Memorial Getúlio Vargas e relata um imenso orgulho de achar os artistas e levar a visão deles, de dentro da comunidade, para os painéis do museu.
“Está sendo um processo incrível. Encontrei esses artistas que são incríveis e tá sendo um processo de colaboração sensacional. Eu nunca fiz uma exposição antes. E dois deles (dos artistas) também nunca tinham feito uma exposição. Então tá sendo um momento de descobrir, né? É uma nova possibilidade de estar trabalhando e mostrando a nossa visão pras pessoas.”
A exposição Visão de Cria está exposta no Memorial Getúlio Vargas, no bairro Glória, Zona Sul do Rio de Janeiro até o dia 20 de novembro e a entrada é gratuita.