Pesquisa aponta que 54% dos moradores de favelas do Rio não conseguiram fazer isolamento social

Os dados levantados são do coletivo Movimentos que analisou os diferentes impactos da pandemia nas comunidades do Alemão, Maré e Cidade de Deus
Foto: Selma Souza
Foto: Selma Souza/ Voz das Comunidades

Um levantamento realizado por jovens pesquisadores de diferentes favelas do Rio de Janeiro analisou o impacto da pandemia de Covid-19 em três grandes comunidades: Complexo Alemão, Maré, ambos na Zona Norte da cidade do Rio, e Cidade de Deus, Zona Oeste. Dentre os dados de problemáticas sociais levantadas, a pesquisa aborda os motivos do não isolamento social nas favelas. 54% dos moradores não conseguiram pôr em prática o distanciamento social.

Desde o início da pandemia do novo coronavírus, os impactos da doença tiveram diversos reflexos na vida dos moradores de favela. Um deles foi a questão do isolamento social dentro desses espaços. Motivados por mostrar esta realidade através de estatísticas, o coletivo Movimentos trouxe a conhecimento público alguns dados que demonstram a realidade desses territórios.

Sobre a pesquisa

Na data em que foi realizado levantamento, foi observado um percentual de 16,8% de pessoas infectadas nas favelas. Ao todo, 955 pessoas, moradoras de três favelas, participaram da pesquisa. Na Cidade de Deus, 392 pessoas responderam; no Complexo da Maré, 305; no Complexo do Alemão, 165; e 93 de outras favelas responderam ao formulário do coletivo Movimentos. Importante ressaltar que se trata de um dado baseado na declaração das pessoas que responderam ao questionário e não no resultado de testes.

Foto: Reprodução

Teste 3

Pode-se considerar a não imunização rápida dos moradores favelados e periféricos e o impacto econômico da pandemia nessa população uma das razões destas infecções. Pois, grande parcela sobrevive do trabalho informal ou está desempregada. Além disso, a estrutura sanitária de suas casas é precária, a mobilidade urbana baseia-se em um transporte público caótico, sem contar uma série de dificuldades em adotar as aulas remotas – o que torna o dia a dia dos moradores ainda mais difícil, com maiores chances de morrer por Covid-19, já demonstradas em pesquisas anteriores -.

Moradias influenciando nos casos

Em relação à infraestrutura de suas casas:

  • 22,9% dos que responderam afirmaram viver em moradias com até três cômodos;
  • 25,9% em residências com quatro cômodos;
  • 9,5% acima de seis cômodos.

Apesar de uma parte significativa afirmar residir em casas maiores, a média de pessoas por cômodo encontrada foi de 3 pessoas, o que representa obstáculos para a realização do isolamento e um estímulo para o contágio dentro das residências. A pesquisa do coletivo aponta também que questões de infraestrutura influenciam muito no que diz respeito ao cruzamento sobre o número de cômodos e as pessoas que se infectaram. Percebe-se que, à medida que o número de cômodos da residência aumenta, a média de número de infectados diminui.

  • Casas com dois cômodos têm uma média de 4,25 de pessoas infectadas;
  • Casas com sete cômodos ou mais possuem uma média de 2,57 pessoas que contraíram a doença;

Considerando que quatro cômodos é uma casa de um quarto e a média é de quase três pessoas por residência, o isolamento social torna-se bastante difícil.

O impedimento de fazer o isolamento também coloca em risco a vida dos familiares de pessoas que trabalham fora e residem na mesma casa. Vale informar que mais da metade das pessoas, 55%, afirmaram morar com indivíduos pertencentes ao grupo de risco. Em relação à percepção geral sobre os impactos da pandemia, a grande maioria dos respondentes (93%) afirmou conhecer alguém que pegou Covid-19 e 73% souberam de alguém que morreu da doença.

Trabalho como obstáculo para o isolamento

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A pesquisa evidência que cerca de 54% das pessoas afirmaram não ter conseguido pôr em prática tal medida de isolamento, conforme orientado. Dentre os motivos citados para não conseguir fazer, estão:

  • 55% das pessoas que afirmaram precisar trabalhar, sendo 159 pessoas que foram infectadas. Deste total, pouco mais da metade, 56%, apontaram não ter conseguido fazer o isolamento social.

O fato de muitos moradores de favelas trabalharem em outras partes da cidade influencia em muito essa estatística.

  • A pesquisa mostra que 45% dos que contraíram Covid-19 trabalhavam fora de sua área de residência e precisavam se deslocar diariamente para seu local de trabalho. Ainda, dentre os que foram contaminados, 43% afirmaram que usavam o transporte público como principal forma de locomoção para o trabalho.

Higiene da casa

Uma das principais recomendações da OMS durante o início da pandemia era de higienizar bem o lar. Contudo, a realidade do Rio de Janeiro no primeiro semestre de 2020 remou contra esta recomendação – em razão da grave crise hídrica que afetou a cidade naquele período, onde as favelas sofreram duras consequências por conta da falta de água -.

  • A falta de água faz parte da rotina de 37% das pessoas, o que nos mostra que mais um direito básico é rotineiramente negado à população favelada;
  • E 63% das pessoas afirmaram ter ficado sem água em algum momento durante a pandemia.

Ainda sim, a maioria das pessoas perguntadas afirmou ter tido acesso a itens de higiene (95%). Quando questionados sobre o nível de autocuidado em relação à contaminação: em uma escala de 1 a 5, na qual 1 representa o mínimo e 5 o máximo de proteção que uma pessoa pode ter para se prevenir do contágio, 39% das pessoas disseram ter cuidado máximo.

Foto: Reprodução

Mulheres com mais cuidados

De maneira geral, as mulheres se mostram mais preocupadas e cuidadosas em relação à Covid-19 do que homens:

  • 73% afirmaram ter níveis elevados de autocuidado (níveis 4 e 5);
  • Enquanto apenas 62% dos homens se enquadram na mesma escala de proteção.

Percebe-se ainda na pesquisa, que a partir dos 30 anos de idade, o nível de cuidado é maior do que nas faixas etárias mais jovens, e que pessoas acima de 70 anos mantêm o maior nível de cuidado (4,6) entre todas as faixas etárias. Além de uma tendência maior à proteção quando se convive com pessoas de risco.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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