Em 1982 o Rio de Janeiro elegeu o primeiro deputado indígena da história do Brasil. Mário Juruna, cacique do povo Xavante, foi eleito com mais de 30 mil votos. No entanto, quando ele saiu em 1987, as comunidades indígenas se viram não representadas por nenhum parlamentar até 2019, quando Joênia Wapichana foi eleita pelo estado de Roraima. Mas, infelizmente, em 2022, ela não conseguiu se reeleger.
Sônia Guajajara foi a primeira deputada indígena eleita pelo estado de São Paulo com mais de 150 mil votos. Neste ano, assumiria o cargo em Brasília para fortalecer a bancada do cocar junto com Célia Xakirabá, eleita pelo estado de Minas Gerais.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, contudo, enviou o nome de Sônia como um dos três a serem cogitados para o Ministério dos Povos Originários do governo Lula. E, foi o que de fato aconteceu. Mas gerou grande controvérsia nas comunidades indígenas, pois, embora ela seja um nome poderoso, e precisamos de uma mente forte e competente para liderar esse ministério, por outro lado nós queríamos Sônia como deputada. Precisávamos dessa representatividade, principalmente depois de 4 anos de um governo que violentou os direitos indígenas das mais variadas formas e depois de ter tido um desfalque na ocupação indígena do parlamento por tantos anos. É necessário construir a bancada do cocar e continuar o legado de Joênia Wapichana.
Teste 3
Falando em Joênia, muitos de nós esperávamos que a ex-deputada fosse nomeada como ministra dos povos originários. Joênia Wapichana mostrou seu comprometimento com a luta indígena nos últimos 4 anos, travando batalhas contra o governo truculento de Bolsonaro. É formada em Direito e ganhadora do prêmio de Direitos Humanos da ONU. Também temos nomes como Eloy Terena, Samara Pataxó, Ailton Krenak, Daniel Munduruku, entre outras pessoas.
Joênia acabou por ser nomeada presidenta da FUNAI, órgão indigenista que nunca antes havia sido presidido por uma pessoa indígena. Eloy Terena, advogado sul-matogrossense, que pertence ao povo Terena, é o novo secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas. Nossa esperança é de que esses quatro anos que irão se seguir abram muitas portas para nossa presença na política. Precisamos fazer o Brasil entender que não existe indígena só nas aldeias. Estamos nas cidades, nas universidades, nas periferias, nas zonas rurais (eu, por exemplo, nasci e me criei no extremo sul da Bahia, uma cidadezinha chamada Alcobaça. Morei no Rio de Janeiro, já morei também no Rochdale, quebrada de Osasco e atualmente moro em Cotia. Não sou/fui menos ou mais indígena em nenhum lugar que moro/morei). Somos uma porcentagem dos pardos que o IBGE insiste em atribuir aos negros. Temos peles claras ou escuras, cabelos lisos, crespos ou ondulados, olhos escuros ou claros. Precisamos ser vistos, independente de onde estivermos.
Em 2023 o que a gente espera é deixar esses estereótipos para trás, conseguir fazer com que os brasileiros não-indígenas olhem ao redor e melhorem essa leitura étnico-racial. Pois, nós estamos em todos os lugares, inclusive (principalmente) na política, uma vez que não importa o quão antirracista seja o branco, somos nós que precisamos cuidar das nossas questões.
Dia 20 de janeiro é o Dia Nacional da Consciência Indígena. A data, definida em 2013, foi escolhida para marcar o dia da morte de Aimberê, guerreiro e importante liderança dos povos Tamoios. Neste 20 de janeiro, o sentimento é agridoce. Em um dia estamos comemorando essas vitórias na política e em como o governo Lula está dialogando com os povos indígenas, no outro dia estamos lamentando a morte dos nossos; como aconteceu no dia 17 de janeiro no território Pataxó, no extremo sul da Bahia. Dois jovens indígenas foram mortos por pistoleiros que invadiram o território.
A luta do povo Pataxó contra esses criminosos que estão agindo a mando dos “coronéis” da região é antiga, infelizmente. Em 1951 ocorreu um massacre na aldeia Pataxó de Barra Velha que marcou a história do nosso povo. Esse evento ficou conhecido como “Fogo de 51”, mas não foi o primeiro e tampouco o último episódio criminoso que o povo Pataxó enfrentou/enfrentará. Querem nossas terras para plantar eucalipto e depois aparecer nas propagandas dizendo que o agro é pop.
Contudo, seguimos na luta. Esse ano tomou posse como governador da Bahia um indígena: Jerônimo Rodrigues! Que não deixa de lado as pautas dos povos originários em seus discursos, mas precisamos ver na prática se todo esse apoio prometido será cumprido, porque os conflitos por território estão acabando com a vida dos nossos.
É um 20 de janeiro para nos trazer a esperança de um futuro melhor para as pessoas indígenas do Brasil, mas ainda é um 20 de janeiro tendo que lidar com os mais diversos tipos de violência. Não iremos recuar. Cada centímetro dessa terra é território indígena.
Deborah Martins, 28, indígena do povo pataxó. Graduada em Direito e graduanda em Gastronomia. Chef e criadora do Alecrim Baiano e ativista pelo Direito Humano à Alimentação Adequada e pela Soberania Alimentar dos Povos Indígenas e Colunista do projeto Vozes em Pauta do Voz das Comunidades