Por: Walter Kumaruara e Renata Tupinambá para a Folha de S.Paulo
A data criada há mais de 70 anos não nos representa, pois é preconceituosa e carregada de estereótipos. Hoje nas escolas e em outros lugares, o olhar sobre nós segue uma ideia folclórica de pinturas faciais sem significado e uso indevido dos nossos cocares.
Muito se fala do mês de abril, o “mês do índio”, período no qual escolas e outras instituições organizam apresentações culturais com a caracterização. Porém, 19 de abril, conhecido como “Dia do Índio”, data comemorativa sobre a cultura indígena, não traduz os verdadeiros anseios de nós, povos originários.
Teste 3
Para nós, que ainda resistimos nesse território, isso é uma afronta à nossa cultura. Nossas pinturas são nossas armaduras de luta, nós nos pintamos de jenipapo e urucum, frutos de onde são extraídas as tintas preta e vermelha, que pintam os guerreiros e guerreiras para festejar e lutar, ambos em nome de nossos direitos garantidos na Constituição, mas que não são efetivados em nossos territórios.
Aguardando aprovação do Senado e já aprovado pela Câmara, o projeto de lei 5466/19, de autoria da deputada Joenia Wapichana, muda o nome do “Dia do Índio” para “Dia dos Povos Indígenas”. A palavra “índio” sempre trouxe uma visão deturpada sobre toda pluralidade étnica e cultural dos povos originários.
Educadores, pensadores, guerreiros, guerreiras, comunicadores, lideranças e profissionais de diferentes povos e todas as áreas buscam respeito da sociedade brasileira.
A conscientização sobre as culturas é necessária para retirar da invisibilidade indígenas em contexto urbano, aldeados ou que vivem em favelas e periferias. Estamos em todos os lugares em busca de visibilidade, representatividade e políticas públicas no fortalecimento dos direitos indígenas.
Aprendemos que nossa cultura é nossa saúde e fonte de resistência.
Nossas pinturas trazem forças espirituais assim como o nosso cocar, que ao colocarmos na cabeça nos guia. Não é só o dia 19 que é dia dos povos indígenas, todos os dias são nossos, todos os dias estamos na luta em defesa das nossas vidas. Os livros impostos nas escolas também contribuem para que essas narrativas continuem acontecendo. Desde o 22 de abril, ensinado como o descobrimento do Brasil por Pedro Álvares Cabral, quando, na verdade, foi invadido pelo mesmo. A invasão foi tão cruel que levou à morte muitos parentes, principalmente no processo de colonização em que nossas culturas foram fragilizadas.
Hoje, nossos protetores são vistos como demônios e figuras mitológicas, a exemplo do nosso curupira, o grande protetor da mata. Não estamos só nos livros feitos pelos brancos, estamos aqui nessa terra, na resistência, protegendo o que é mais sagrado para nós, o território.
O que sabemos é que o Brasil possui em seu imenso território uma diversidade de povos indígenas, com culturas e saberes diferentes entre si, e diferentes da ideia dos não indígenas, segundo a qual a cultura indígena é uma só.
A figura produzida e mostrada do indígena nas escolas é a figura do indígena selvagem. Nossas lutas para ocupar espaços é muito grande e envolve o preconceito enfrentado nas universidades, nas empresas e em outros lugares. Ver um indígena fora dessa figura criada faz crescer ainda mais o preconceito existente.
Atualmente, existem várias leis que garantem – ou deveriam garantir – uma série de direitos a nós, povos originários.
A 18ª edição do ATL (Acampamento Terra Livre) reuniu mais de 7 mil indígenas de 200 povos diferentes, de todo o Brasil, em Brasília de 4 a 14 de abril. Em documento final divulgado, o movimento organizado pela Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e organizações regionais, destacou a importância de “retomar o Brasil”, “demarcar territórios e aldear a política” como fundamental para a luta dos direitos indígenas no país.
No entanto, continuamos sofrendo com o (des)governo que temos hoje no país. Com a flexibilização das leis, como, por exemplo, a do licenciamento ambiental, que dá abertura ao retrocesso e faz com que tragédias possam continuar e se agravar. Entre elas, o avanço do garimpo nos territórios como do Baixo Tapajós no povo Munduruku e a TI Xipaya, ambos situados no estado do Pará, que foi invadida por garimpeiros. Os invasores detidos foram soltos em seguida.
Sofremos com o interesse de fazendeiros, madeireiros e garimpeiros que tentam explorar nossas terras em benefício próprio.
A luta no baixo Tapajós é constante para a continuação do ensino diferenciado dentro das escolas nas Aldeias.
Resistimos para existir.
Walter Kumaruara
Membro da aldeia Muruary, do povo Kumaruara. É fundador do coletivo Jovem Tapajônico e mobilizador da rede Mocoronga de Comunicação Popular
Renata Tupinambá
Jornalista, roteirista, membro do Levanta Zabelê em Una-BA, colaboradora do PerifaConnection e do Visibilidade Indígena
PerifaConnection, uma plataforma de disputa de narrativa das periferias, é feito por Raull Santiago, Wesley Teixeira, Salvino Oliveira, Jefferson Barbosa e Thuane Nascimento. Texto originalmente escrito para Folha de S. PAULO