Moradores da Merendiba, na Vila Cruzeiro, Complexo do Penha, têm sofrido com rotina de tiroteio na comunidade. Mesmo com a suspensão de operações policiais em favelas do Rio de Janeiro durante a pandemia, ações policiais envolvendo agentes da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) têm sido frequentes na região. Apesar da presença da UPP, quem vive na região não se sente seguro com a atuação dos policiais.
A rotina dos moradores têm sido afetada pelos tiroteios que acontecem com mais frequência. Brincar na rua em segurança, pegar o tradicional sol na laje de manhã, receber visitas e sair para trabalhar geram momentos de tensão. “A gente não tem mais liberdade. É sempre a mesma coisa, ninguém está aguentando. Você dorme com medo porque não sabe o que pode acontecer”, relatou uma moradora que prefere não ser identificada.
A única solução para alguns é sair da comunidade, mas vender o imóvel na região também é um problema devido ao histórico de tiroteio. Uma ex-moradora construiu um muro depois que mais de cinco tiros atingiram o quarto de uma criança. Mas, o muro não impediu que essa família optasse em abandonar a Merendiba.
Teste 3
No atual cenário de pandemia, seguir a recomendação de ficar em casa é arriscado para quem mora em meio ao conflito. Segundo uma moradora, a polícia já entrou na casa dela e de outros vizinhos sem pedir permissão ou sem ao menos mandados de busca, fazendo o cidadão de escudo. Além do medo, moradores também sofrem com prejuízo de portões quebrados pela polícia, de perfurações por tiros em postes de luz, caixas d’água e o risco da bala perdida.
Caso José Augusto
Dia 1º de setembro, José Augusto foi atingido por estilhaço de bala enquanto trabalhava em uma loja de água e gás durante um tiroteio na Merendiba. Neste dia, o jovem completava 16 anos e passou por um momento de terror. Após ser socorrido no Hospital Estadual Getúlio Vargas, na Penha, ele foi levado para 21ª Delegacia de Polícia acusado de ser envolvido em roubo de carga de cigarros. Porém, não havia provas contra o jovem e depois de horas, ele foi liberado.
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A situação de tensão vivida pelo jovem no dia do aniversário, tem consequências até hoje na vida dele. José Augusto ficou abalado com o ocorrido, as noites de sono não são tão tranquilas e ele não conseguiu continuar trabalhando na loja de água e gás com medo de ser baleado novamente.
“Depois do ocorrido a gente passou por uma fase difícil porque ele não queria dormir dentro do quarto, achava que a polícia ia entrar aqui e me levar. Ele saiu do emprego, não queria mais trabalhar porque dava um tiro e largava tudo e voltava correndo [para casa]. Era um dinheiro que ele ganhava que ajudava. Eu sou mãe solteira e nessa pandemia ficou difícil, mas pra ficar assim era melhor não ficar [no emprego]”, desabafa Iolanda Ferreira, mãe de José Augusto.
UPP Vila Cruzeiro
O Complexo da Penha possui quatro bases da UPP. Contudo, uma liderança local relatou que casos de tiroteio com policiais da UPP da Vila Cruzeiro ocorrem com frequência. De acordo com a plataforma Fogo Cruzado, nos últimos dois meses o Complexo da Penha liderou o ranking de tiroteios em áreas com UPP. Nos meses de agosto e setembro deste ano, o Fogo Cruzado registrou 28 tiroteios/disparos de arma de fogo na região do Complexo da Penha. Destes, a metade (14) ocorreram na Merendiba e deixaram ao menos 3 mortos e 4 feridos.
Entramos em contato com a PM para esclarecer este fato e, de acordo com a Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar, a UPP da Vila Cruzeiro tem suas ações pautadas pela mancha criminal e pela análise de informações de inteligência. Ainda segundo a PM, o patrulhamento ostensivo das comunidades do Complexo da Penha visa garantir a sensação de segurança da população, a prevenção de crimes e coibir práticas delituosas. Em relação ao número de confrontos, o comando da Corporação disse que não comenta dados não oficiais.