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Por: Emerson Caetano para PerifaConnection, na Folha de S.Paulo
Apesar da mobilização de milhares de pessoas em mais de 200 cidades no Brasil e no mundo no dia 29 de maio, contra o governo Jair Bolsonaro, a mídia nacional não captou a mensagem mais importante do ato: todos nós queremos o fim da crise democrática neste país.
Com diversidade de pautas, o uso da máscara PFF2 , álcool em gel e muita cautela, o movimento anti-Bolsonaro mobilizou a maior demonstração de oposição ao governo desde o início da pandemia do Coronavírus. Segundo pesquisa PoderData realizada em 26 de maio, a reprovação ao governo de Bolsonaro bateu recorde de 59%.
Teste 3
Mesmo tendo o consenso político de que a democracia precisa ser restabelecida, o movimento apresenta divergências em como esta crise democrática deve acabar. Há aqueles que defendem o impeachment, e aquelas que só querem a derrota de Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2022.
O que faltou na cobertura jornalística de alguns veículos mainstream foi justamente identificar que o ato não era majoritariamente pró-Lula, mas uma resposta ao abuso de poder e impunidade da administração estapafúrdia de Bolsonaro.
O campo democrático defende um modelo republicano para a política brasileira em que pautas minoritárias sejam representadas e que o perfil político seja diversificado.
Este campo democrático é composto por militantes do movimento negro, defensores da educação superior pública, feministas, funcionários públicos, LGBTIQs, partidos de esquerda e pessoas insatisfeitas com o status quo.
No dia 23 de maio, Bolsonaro utilizou dinheiro público para organizar uma motociata no Rio de Janeiro. Foram gastos R$ 485 mil reais com segurança. A mídia tradicional preparou manchetes que estamparam sites, jornais e capas de revistas para relatar a aglomeração governista.
De forma bem diferente, no dia 29 de maio, a manifestação pacífica estava nas contracapas e no fim das páginas dos noticiários.
Isso mostra que o projeto político de Bolsonaro é privilegiado pelos tomadores de decisão de pautas dos grandes veículos informativos.
A impressão que fica é que, se Bolsonaro fosse um político sistêmico, que mantivesse o tradicional decoro da política institucional, decerto a grande mídia iria apoiá-lo.
Sem embargo, é preciso notar que a atitude desses veículos faz parte de uma prática histórica do jornalismo brasileiro de deslegitimar manifestações políticas da esquerda.
Algo semelhante ocorreu com as manifestações contra o impeachment de Dilma Rousseff, em que as pró-impeachment recebiam destaque e os opositores tinham suas demonstrações atreladas ao mau funcionamento do trânsito e ao transtorno à ordem pública.
Enquanto jornais internacionais como El País, Al Jazeera e The Guardian elaboraram artigos com opiniões contundentes sobre a veracidade da situação atual do Brasil, veículos nacionais descentralizaram esta notícia tão importante.
O mundo precisa saber que o povo brasileiro não está complacente com a política de morte levada por Bolsonaro.
A resposta do presidente às manifestações democráticas não surpreende. Ele tratou os protestos com a ironia de sempre, postando uma foto segurando uma camisa com a mensagem: “Imorrível, imbrochável e incomível”. Ainda hostilizou os manifestantes dizendo que os atos estavam vazios, dizendo que teria faltado “erva para que todos comparecessem”.
São 468 mil mortos por uma pandemia que já tem vacina, mas o presidente se recusa a negociar a única medida efetiva de evitar este aumento.
A manifestação denunciou a falta de respeito que Bolsonaro tem com as famílias que perderam seus parentes. A falta de percepção da mídia só mostra como as instituições brasileiras não estão a serviço do progresso, mas querem manter um projeto político que alimenta desigualdades sociais e privilegia uma minoria dominante.
A figura política do Bolsonaro incomoda, mas o que está por trás deste projeto político distópico continua tendo amplo apoio.
Enquanto o presidente privatiza instituições públicas, aumenta o índice de pobreza, desemprego e mortalidade, o projeto político liberal está satisfeito. Mas existe uma parcela da população brasileira muito prejudicada, que não está calada e tem o direito de ser respeitada e reconhecida como povo inconformado com o genocídio do povo brasileiro.
Emerson Caetano
É fundador do NENRI (Núcleo de Estudantes Negros de Relações Internacionais), morador de Nova Iguaçu (RJ) e fellow das Nações Unidas para a Década do Afrodescendente
PerifaConnection, uma plataforma de disputa de narrativa das periferias, é feito por Raull Santiago, Wesley Teixeira, Salvino Oliveira, Jefferson Barbosa e Thuane Nascimento. Texto originalmente escrito para Folha de S. Paulo.