Por: Sarah Lima, Renato Régis e Mikaelle Farias para Folha de S.Paulo
A indústria globalizada do setor energético está em um declínio terminal. A era dos combustíveis fósseis e os impactos negativos pouco conhecidos de algumas energias renováveis, como a eólica, podem intensificar problemas na fauna e em ecossistemas. Essa será realmente a política ambiental que precisamos ter no Brasil para minimizar os impactos decorrentes do aquecimento global?
O Nordeste brasileiro é a maior referência na produção de energia eólica do nosso país, o que fez nos últimos anos essa região bater recordes de produção, tendo quatro estados na liderança, de acordo com os dados da ABEEólica – Associação Brasileira de Energia Eólica:
Teste 3
Rio Grande do Norte: com capacidade instalada 4.066 MW e 151 usinas
Bahia: com 3.951 MW e 153 usinas
Ceará:com 2.045 MW e 79 parques
Piauí: com 1.638 MW e 60 usinas
Com isso, muitas pessoas falam que essa região é movida “pelos ventos”. Mas quanto realmente vale esse vento? A forma com que esses parques eólicos estão sendo implantados nessa região vem promovendo enormes problemas socioambientais e prejudicando as comunidades aos arredores com a privatização dos seus territórios, destruição de sítios arqueológicos, aterramento de lagoas, entre outras adversidades. Isto em uma região que é marcada pela disparidade social, intensificando cada vez mais o viés sistemático das grandes indústrias, que roubam terras e apagam culturas a fim de possibilitar sempre o lucro.
Um exemplo é o Ceará, estado conhecido pela utilização de fontes de energias limpas, mas que vem fazendo um péssimo investimento com R$ 5 bilhões na criação de uma terceira usina termoelétrica. Diante disso, a sociedade e a juventude cearense iniciaram uma mobilização no final de 2021 (#foratermoeletrica) para frear os impactos negativos causados pela utilização de energias sujas.
A juventude não só cearense, mas nordestina, vem promovendo várias movimentações acerca desses assuntos, como a segunda edição da CNC (Conferência Nordeste Pelo Clima), que acontecerá em Fortaleza no final de julho de 2022. O evento tem como principal tema a transição energética justa, em uma das regiões mais vulneráveis e impactadas pela desigualdade social e climática no Brasil.
Essa é uma das mobilizações que vem despertando cada vez mais a sociedade civil para esses problemas e convidando as juventudes de diversos territórios a se rebelarem contra a destruição no nosso lar. O foco é em ações diretas que vem deixando uma mensagem cada vez mais evidente para os governantes locais: “vocês não nos ouvem, mas temos vozes, e enquanto nós estivermos aqui as vidas irão valer mais do que o lucro!”
Qualquer tipo de investimento que envolva interesses nacionais e de empresas privadas devem ser observados com atenção. É inegável a importância da expansão de outras fontes de energia elétrica em detrimento daquelas que ainda utilizam combustíveis fósseis. No caso do Rio Grande do Norte, há um grande potencial de geração de energia eólica, pois o estado é líder de produção de energia eólica no Brasil e, desde a década passada, tem construído sua autossuficiência na geração de energia.
Mas, apesar disso, vemos que o protagonismo não pertence ao Estado e sim às multinacionais que têm investido maciçamente no setor. Ou seja, devemos analisar de forma crítica a situação: terras agricultáveis em localidades que sobrevivem graças à agricultura familiar estão sendo, teoricamente, privatizadas por meio de acordos com cláusulas de confidencialidade e renovação automática. Quais serão os efeitos no longo prazo se esse processo não é posto como política de Estado ou direcionado por uma empresa estatal forte a atuante?
As termelétricas são empreendimentos que usam milhares de litros de água por hora e emitem quantidades exorbitantes de gases de efeito estufa a partir da queima de combustíveis fósseis (no caso do Ceará, carvão e gás natural). Além de contribuir fortemente com a crise climática, as termelétricas presentes no estado roubam a água da população, que já é historicamente afetada pelas secas; invadem territórios de comunidades indígenas; e adoecem as populações do entorno com o pó de carvão e resíduos tóxicos de gases que são liberados no processo da queima.
A energia eólica, apesar de não emitir gases de efeito estufa no processo de geração de energia elétrica, é bastante destrutiva, pois é implementada em um modelo que visa apenas o lucro, não tendo como prioridade o respeito às comunidades locais e ao meio ambiente. Os campos de eólicas no Ceará destroem as dunas, aterram lagoas interdunares, expulsam comunidades pesqueiras e privatizam a faixa litorânea que invadiram, impedindo que a população tenha acesso à praia para tirar seu sustento e para realizar seus rituais sagrados.
Não só o Nordeste, mas o mundo precisa de uma transição energética justa. Continuar com a queima de combustíveis fósseis e a implementação de energias que não tenham a vida humana no centro é condenar a nossa própria existência.
A “transição justa” é mencionada em um dos maiores acordos já feitos pela humanidade, o Acordo de Paris, em 2015, assinado e ratificado por 195 países, com o reconhecimento de que os governos precisam atuar em uma força de trabalho para fazer a mudança. Hoje, a raça humana está em um processo lento para mudar a forma que produzimos e consumimos energia. É evidente que muitos desafios ainda estão por vir, e isso, irá demandar cada vez mais um conjunto de iniciativas e políticas públicas que sejam eficazes.
Sarah Lima
Formada em Ciências Biológicas pela UFCE (Universidade Federal do Ceará)
Renato Régis
Formado em arquitetura e urbanismo pela UFPB (Universidade Federal da Paraíba), cursando pós-graduação em Desenvolvimento Urbano.
Mikaelle Farias
Ativista climática do Frydas For Future International e estudante de engenharias de energias renováveis pela UFPB (Universidade Federal da Paraíba)
PerifaConnection, uma plataforma de disputa de narrativa das periferias, é feito por Raull Santiago, Wesley Teixeira, Salvino Oliveira, Jefferson Barbosa e Thuane Nascimento. Texto originalmente escrito para Folha de S. Paulo