Mulher negra, feliz e trabalhadora. Kathlen Romeu tinha tudo para ter uma vida realizada. Aos 24 anos, não fazia muito tempo que havia se formado em design de interiores e trabalhava como vendedora em uma loja no bairro Ipanema, zona sul do Rio de Janeiro. Sua vida ganharia mais um novo capítulo ao lado do namorado, Marcelo Ramos, designer gráfico. O casal se preparava para a chegada de um bebê. Kathlen já tinha até escolhido os nomes. Zyon, se fosse menino, e Maya, se fosse menina.
Trabalho, estudo e família. Kathlen Romeu estava pronta para um grande futuro, mas os planos foram interrompidos pela realidade brutal que afeta quase diariamente as favelas do Rio de Janeiro. A jovem visitava a avó, Sayonara Fátima, no dia 8 de junho de 2021. Elas caminhavam na rua Araújo Leitão, comunidade Lins de Vasconcelos, zona norte do Rio, quando ocorreu uma ação da Polícia Militar. Uma bala de fuzil a atingiu no tórax.
Por insistência de Sayonara aos policiais militares, Kathlen foi levada para o hospital Hospital Municipal Salgado Filho, no bairro do Méier. Mas, infelizmente, a jovem não resistiu aos ferimentos. Kathlen Romeu mulher negra, recém-formada, futura mãe, estava morta.
Teste 3
Com o que houve, moradores da comunidade Lins de Vasconcelos foram às ruas. Com faixas pedindo paz e cartazes com a foto de Kathlen, o grupo fechou a autoestrada Grajaú-Jacarepaguá nos dois sentidos. A via atravessa a região. Aos gritos, os cidadãos se manifestavam contra as ações policiais dentro da favela. A equipe do Voz das Comunidades esteve presente e registrou a revolta da população, além da ação da polícia militar contra os moradores.
Repercussão da morte da jovem
O caso ganhou repercussão nacional. O nome de Kathlen estava nas principais manchetes do noticiário brasileiro. No dia seguinte, no dia 9 de junho de 2021, Luciano Gonçalves, pai de Kathlen, foi ao IML para liberar o corpo da filha. “Minha filha era a coisa mais especial da minha vida. Cheia de sonhos, uma pessoa do bem, inteligente, que tinha o sonho de ser blogueira, modelo. Estava na melhor fase da vida dela”, afirmou emocionado à imprensa presente. Kathlen tinha se mudado da comunidade do Lins um mês antes de sua morte. O pai afirmou que tinha tirado a filha da favela por conta da violência.
Jaqueline Oliveira, mãe de Kathlen, sentiu o peso da perda da filha. No IML, em declaração à imprensa, ela afirmou que a bala que matou a filha tinha partido da arma da polícia. “Se a minha filha fosse morta por bandido eu não falaria nada com vocês porque eu sei que eu moro em um lugar que eu não poderia falar. Mas não foi. Foi a polícia que matou a minha filha. Foi a PM que tirou a minha vida, o meu sonho”.
Na mesma época, a avó de Kathlen, Sayonara, também se emocionou ao contar sobre o ocorrido. “A gente estava indo na firma da minha filha. Quando nós passamos a rua estava tranquila. Foi tudo muito de repente. A minha neta caiu, começou muito tiro. Quando eu puxei, ela caiu. Eu me machuquei ainda. Me joguei para proteger ela. Eu só vi um furo no braço dela e gritei para eles me ajudarem a trazer. Perdi minha neta e meu bisneto”.
Marcelo Ramos, namorado de Kathlen, manifestou-se por meio das redes sociais pedindo respeito pelo nome da jovem. Diante das mensagens de ódio que a família recebia, ele defendeu a família. “Eu peço que respeitem a memória da Kath. Não despejem ódio porque ninguém merece isso. Vocês não têm ideia do que a gente está passando. E o que a gente vai passar vai ser muito pior daqui para frente. Respeitem a dor da família, principalmente da mãe da Kathlen, que foi obrigada a ler comentários de pessoas falando besteira”, afirmou o designer.
Kathlen foi enterrada no Cemitério do Catumbi, no dia 9 de junho. Na tarde daquele mesmo dia, familiares, entidades e lideranças comunitárias fizeram um protesto na rua Lins de Vasconcelos, no bairro do Méier, pela morte da designer.
No dia 10 de junho, a OAB-RJ se manifestou sobre o caso. Rodrigo Mondego, procurador da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, declarou que a ação policial que vitimou Kathlen eram uma operação ilegal. Ele também afirmou que a ação descumpriu a determinação do STF que restringia ações policiais dentro das comunidades. Eduardo Braz, porta-voz da PM na época, afirmava que não houve operação, mas que os agentes haviam sido atacados.
Investigação do caso
No mês seguinte, no dia 14 de julho, na rua Araújo Leitão, no Complexo do Lins, houve a reconstituição da morte de Kathlen Romeu.
Um pouco antes da reconstituição, familiares fizeram declarações à imprensa. Foi lido um manifesto sobre a morte da jovem pela família, que frisou que não aconteceu confronto no dia da incursão policial na comunidade. A mãe de Kathlen pediu justiça enquanto familiares se posicionavam contra a PM.
Seis meses após a morte de Kathlen, a família ainda não tinha retorno concreto das investigações. O G1 noticiou que familiares não conseguiam informações por parte da Delegacia de Homicídios. O Ministério Público, por sua vez, aguardava o retorno da Polícia Civil sobre as investigações. A PM atuava com a corregedoria e afastou os 12 policiais investigados de suas funções. Um vídeo analisado por peritos mostrou que os agentes alteraram a cena do local após o tiro atingir Kathlen. Em dezembro de 2021, a Polícia do Rio de Janeiro concluiu que o tiro que matou a designer partiu da arma de um policial. O Ministério Público denunciou 5 agentes por alterarem o local da morte.
No dia 8 abril de 2022, quando o crime completou 10 meses sem respostas, parentes e amigos de Kathlen realizaram mais um protesto pela memória da jovem e também contra a falta de transparência do MP para com a família. Eles se reuniram em frente ao Ministério Público do Rio de Janeiro com faixas e cartazes estendidos.
No dia 11, aconteceria a primeira audiência que daria início ao julgamento do caso Kathlen Romeu. Mas, devido a um erro no processo, a sessão foi adiada. Jaqueline, mãe de Kathlen, declarou que era inapropriado para a família pedir naquele momento. A FAFERJ (Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro) publicou numa rede social a ocorrência do adiamento.
O diretor da FAFERJ classificou o adiamento como uma manobra para o caso cair no esquecimento.
Na segunda-feira, 16 de maio, aconteceu a primeira audiência do caso Kathlen Romeu. Na sessão, foram ouvidas nove testemunhas, sendo três familiares de Kathlen e os demais policiais que estiveram no dia da morte da jovem. Uma nova audiência foi marcada para o dia 27 deste mês de junho. Neste dia, os juízes ouvirão o depoimento do cabo Juan Fernandes Lima. Ele foi dispensado da sessão do dia 16 de maio por questões de saúde.
Após a sessão, Derê Gomes, diretor da FAFERJ, comentou a importância do processo e ressaltou que o objetivo era garantir a denúncia por homicídio. Para Jaqueline, mãe de Kathlen, o adiamento se mostrou como uma manobra para que os advogados dos réus pudessem montar uma defesa.
365 dias da morte de Kathlen Romeu
Neste dia 8 de junho, completa 1 ano da morte de Kathlen Romeu e só nas vésperas da data é que a justiça deu início ao processo judicial. Sobre isso, o diretor da FAFERJ, Derê Gomes se pronunciou dizendo que o assassinato da jovem é emblemático, pois mostra que a segurança pública não atua como deveria.
“Uma mulher negra, jovem, grávida, atingida no meio da tarde. Chegamos a um ano dessa tragédia, ainda sem um pedido de desculpas sequer do Governador Cláudio Castro e a cumplicidade do Ministério Público que até hoje não processou os envolvidos por homicídio, mesmo a perícia da Polícia Civil já tendo comprovado que o tiro saiu do Estado, que a bala que matou a Kathlen e seu bebê foi paga com dinheiro público. Exigimos que o Ministério Público cumpra seu papel e responsabilize os assassinos e também a cadeia de comando que autoriza uma tróia numa região populosa no meio da tarde, uma operação desastrosa que só tinha como acabar em tragédia”.
Jaqueline Oliveira declarou, por fim, a respeito de tudo que ocorreu durante este primeiro ano de morta da filha, expondo entre os fatos a maneira como o estado se coloca diante de um caso como esse, ainda sem conclusão.
Já se passaram 12 meses e o Estado nada fez pra solucionar o caso. Sabemos que minha filha foi vítima de uma operação arbitrária, que nem reconhecida é: a Troia. Prática essa que vem fazendo infinitas vítimas dentro das comunidades e ceifando vidas de gente do bem, como foi com a minha minha e meu neto/a. Até hoje, o Ministério Público não ofereceu denúncia e sabemos que existem elementos suficientes para acusação. Elementos que familiares e amigos buscaram, enquanto o Estado fecha os olhos e se mantém corporativista. Cadê a justiça? A perícia foi feita e confirmou que o tiro partiu do policial, a Polícia Civil já concluiu dizendo que sabe que o tiro partiu dos policiais. O que mais precisa pra oferecerem denúncia? Até agora o promotor Alexandre Murilo Graça não se manifestou. Essa letargia e corporativismo do Ministério Público nos reforça a ideia de quererem arquivar. Dois policiais atiram! Dois homens de farda que deveriam nos proteger, ASSASSINARAM OS MEUS! Não importa qual dos dois atirou, pois ambos tinham a mesma intenção e mataram eles! O porta voz da PM veio na mídia dizer que “os homens dele foram recebidos a tiro”, mas quem foi recebida a tiros foi minha filha. A única coisa que ela “portava” era uma vida no ventre. Tiraram dela o direito à vida e de ser mãe! Ceifaram ela da família e amigos…cadê a justiça? Perdi minha maternidade! O Estado matou minha filha e ignora os fatos sem nenhuma piedade da família! Se fosse a minha filha atacar alguém do Estado, ela já estaria condenada por uma única foto, pois isso já é o suficiente pra nos condenar. Cadê a neutralidade do MP que tem a função de investigar e não deixar prevalecer o mais forte? O Estado é genocida, racista e corporativista!