Futuro da filantropia é a descentralização de recursos

É hora de o investimento social privado e filantrópico revisar métodos
Área da Expo Favela, evento que ocorreu este ano e reuniu diversos empreendedores Foto: Marcelo Pereira
Área da Expo Favela, evento que ocorreu este ano e reuniu diversos empreendedores Foto: Marcelo Pereira

Imagine um mundo onde organizações, movimentos e coletivos que promovam impacto social em seus territórios e campos não disputem entre si recursos para sobreviver.

Esse mundo, distante de nossos olhos e realidades, é a chave de transformação que a Iniciativa Pipa quer se debruçar.

Não é novidade a constatação de que organizações, coletivos e movimentos de base favelada e periférica realizam um trabalho urgente e que têm impacto social, político e econômico direto em suas comunidades e territórios no Brasil.

Teste 3

No entanto, a visibilidade dos desafios que esses grupos têm no acesso ao investimento social privado no país – que opera a partir de desigualdades estruturais de raça, gênero e classe – é algo que nos impulsiona.

A Pipa é uma iniciativa pensada para ajudar a democratizar o acesso ao investimento social privado no Brasil. Queremos ser uma ponte efetiva de conexão entre financiadores e coletivos, movimentos e organizações de base favelada e periférica, produzindo diagnósticos, ferramentas e ações para fazer com que esses recursos cheguem às favelas e às periferias brasileiras.

A Pipa começou a ser construída em 2019, quando quatro ativistas periféricos do Rio de Janeiro, que trabalhavam para organizações, coletivos e movimentos de favela, identificaram a necessidade de incidir sobre esse campo coletivamente.

Nos últimos anos, o Brasil vem enfrentando momentos turbulentos: além de ser um dos países mais afetados pela pandemia de Covid-19, estamos lidando com uma grave crise política e econômica que afeta, sobretudo, as pessoas negras e indígenas, que vivem nas nossas favelas, periferias, nas aldeias, nos quilombos, nos assentamentos e nas regiões ribeirinhas.

Fomos nós, coletivos, organizações e movimentos periféricos do Brasil, que lideramos a linha de frente para garantir que nosso povo tivesse condições mínimas de sobrevivência.

Em 2021, uma pesquisa preliminar conduzida pela Pipa mostrou que 90% das organizações dos coletivos, movimentos e organizações de base favelada e periférica enfrentam barreiras para acessar financiamento e um terço gere menos de R$ 5 mil ao ano.

Esse é um retrato que evidencia a precariedade e o sentido de urgência que perpassam a atuação dos coletivos, movimentos e organizações periféricas, os mesmos que contribuem para que ocorram pequenas revoluções cotidianamente em suas comunidades e territórios.

Dado esse cenário, a Iniciativa Pipa articulou uma carta aberta à filantropia brasileira com assinatura de mais de 30 organizações de todo o Brasil, para evidenciar a urgência de repensar a agenda filantrópica e privada no país, tendo as periferias como eixo central para a transformação da realidade brasileira.

Se fomos nós que garantimos que as favelas e periferias pudessem comer e se proteger durante a pandemia, imaginem o impacto político, econômico e social que conseguiremos construir se recebermos recursos sustentáveis, flexíveis e de longo prazo, para além do momento pandêmico.

Acreditamos que é a hora de o investimento social privado e as organizações filantrópicas revisarem suas metodologias e escopos de atuação, desburocratizando os métodos de financiamento, aprofundando as relações de confiança com coletivos, organizações e movimentos favelados e periféricos e fazendo os recursos chegarem na ponta.

Não foi pouco o que criamos. Não esperamos as condições perfeitas para começar a agir. Mas queremos e podemos mais. Sabemos o que pode ser feito quando o dinheiro chega e fazemos juntos quando isso acontece. Por isso, queremos incentivar e democratizar a distribuição dos recursos, conectando a filantropia às favelas e periferias do Brasil.

É hora de a filantropia reconhecer o papel essencial que os movimentos de favelas e periferias, e organizações lideradas por pessoas negras responsáveis pela transformação desempenham no ecossistema filantrópico maior.

Os investimentos nessas instituições são uma estratégia fundamental para o avanço da justiça racial, social, climática e a defesa da democracia. Portanto, é fundamental que movimentos e organizações de periferia não apenas existam, mas recebam recursos de larga escala capazes de impulsionar a construção de um outro país.

Convidamos você a erguer esta Pipa conosco, buscando reunir esforços para democratizar o futuro do país fomentando nossas próximas gerações!

Raul Santiago
Cria do Complexo do Alemão e um dos 50 profissionais mais criativos do Brasil pela revista Wired (2020). Gestor de projetos sociais do terceiro setor e ativista

Marcelle Decothé
Formada em defesa e gestão estratégica internacional pela UFRJ, mestre em políticas públicas em direitos humanos, educadora popular, pesquisadora de gênero, raça e violência, e co-fundadora do movimento Favelas na Luta

Gelson Henrique
Cria da ZO ativista dos direitos humanos, cientista, pesquisador social da Juventude Negra e Direito à Cidade e Coordenador Executivo da Iniciativa Pipa

PerifaConnection, uma plataforma de disputa de narrativa das periferias, é feito por Raull Santiago, Wesley Teixeira, Salvino Oliveira, Jefferson Barbosa e Thuane Nascimento. Texto originalmente escrito para Folha de S. Paulo

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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