Dez anos da lei de cotas, 522 anos de lutas

Instituições da sociedade civil com foco na questão negra, educacional e de direitos humanos se unem para defender cotas nas universidades
Estudantes protestam por cotas raciais na reitoria da USP em 2012 foto: Caio Kenji/Folhapress
Estudantes protestam por cotas raciais na reitoria da USP em 2012 foto: Caio Kenji/Folhapress

Por: Andressa Oliveirae Eduarda Nunes para a Folha de S.Paulo

Após uma década desde a sanção da Lei Federal de Cotas 12.711, ela provou e ainda prova sua eficiência. Em sua defesa e unindo forças, o PerifaConnection, Coalizão Negra Por Direitos, Nossas, Observatório do Conhecimento, Conectas, Afronte Coletivo, Afronte Nacional, Movimenta Caxias, +Nós e a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, lançam a campanha Geração Cotas Raciais, 10 anos do marco reparatório para o Brasil. O intuito é valorizar e defender essa conquista, que já provou sua importância mas que ainda não se faz dispensável para a construção e consolidação de um país justo para os grupos vulnerabilizados.

Desta maneira a ideia é demonstrar, a partir dos dados disponíveis, que estamos sob um contexto no qual, no mínimo, pessoas negras e indígenas merecem alguma reparação. Também contamos com a narrativa de algumas dessas pessoas que se beneficiaram das cotas e suas experiências, como intelectuais e profissionais. As cotas são um marco para uma geração. Não só para quem se beneficia dela pessoalmente, mas para toda a instituição que se vê contando e aprendendo sob novas perspectivas.

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Estão previstas ações em todas as regiões do país durante todo o ano. Universidades, pré-vestibulares e escolas públicas são alguns dos principais focos de fomento do debate. Demonstrar que as cotas trouxeram conquistas, mas também escancararam faltas e apontaram novos desafios para garantir que a população negra e indígena tenha acesso a cargos de poder e de decisão institucional e científica.

É importante salientar que o racismo vivenciado no Brasil faz parte de uma estrutura muito acurada. Não é somente o indivíduo que age com hostilidade e violência diante da pessoa negra ou indígena, o racismo por aqui está entranhado nas instituições, consentido pelas estruturas mais basilares, na política, nas leis, na economia. Em meio a todas as violações que marcam a construção desse país, o Movimento Negro, sobretudo o das mulheres negras, não para de avançar, lutar e abrir novos caminhos de conquistas para outros grupos marginalizados em nossa sociedade. A lei de cotas foi uma dessas grandes conquistas e, em 2022, essa legislação, que é a política de reparação mais forte da história do Brasil, completa 10 anos.

aprovação da Lei 12.711 ocorreu em 2012, não sem muitos embates. Inclusive com alguns ditos progressistas posicionando-se contra a política ou endossando a ideia de que, como a questão de classe já englobaria a questão racial, a cota social, baseada em critérios de renda, seria suficiente. Lembrando que o debate das cotas é feito pelo menos desde o século 20, quando autores como Lélia Gonzales, Abdias do Nascimento, Sueli Carneiro, Clóvis Moura, Guerreiro Ramos, já tinham obras tratando da questão racial no Brasil, sua urgência e especificidades.

Aqui vale outro destaque. Uma pesquisa apresentada pelo Sou Ciência junto do Idea Big Data mostra que a população que se diz contra a renovação da lei de cotas (18%) é formada por aqueles que apoiam o governo Bolsonaro (35%); que possuem faixa de renda acima de cinco salários mínimos (37,4%) e amarelos (27,9%).

Além desses desafios, estamos também atentos aos cortes na educação que vêm acontecendo ano após ano e que tiveram queda acintosa sob o governo de Jair Bolsonaro, o que prejudica não só o presente, mas o futuro do país – e não paramos nem para resolver nosso passado ainda. Durante o atual governo, programas criados nas universidades com a finalidade de diminuir as desigualdades étnico-raciais que assolam o país escassearam, bolsas e auxílios de permanência vão minguando. Dificultam assim, o acesso e a estabilidade desses estudantes.

Em vista disso, é muito importante disputar o imaginário social por meio das ações narrativas e também os espaços de poder, por meio das reparações concretas em nível social, como a manutenção da Lei 12.711. E isso não por imposição, mas demonstrando que, políticas públicas são benéficas para o conjunto da população. Um país que convive com tanta desigualdade não poderá jamais experimentar uma democracia.

Não podemos deixar o cinismo por parte daqueles que insistem em não reconhecer que as marcas profundas deixadas por nosso passado colonial e escravocrata tome conta do debate outra vez. Isso faz com que, de tempos em tempos, precisemos retomar lutas já travadas em busca daquilo que já deveria ser concreto: acesso a direitos, acesso à dignidade, e, por aqui nos interessa falar, acesso à educação de qualidade a todas e a todos.

Vem com a gente! Acesse o site cotasraciais.org

#GeraçãoCotasRaciais

Andressa Oliveira
Comunicóloga, colaboradora no Observatório do Conhecimento e no PerifaConnection

Eduarda Nunes
Jornalista, colaboradora do PerifaConnection, Favela em Pauta e Agência Retruco (PE), integrante do Afronte Coletivo e da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco e uma das homenageadas do 1º Prêmio Neusa Maria de Jornalismo

PerifaConnection, uma plataforma de disputa de narrativa das periferias, é feito por Raull Santiago, Wesley Teixeira, Salvino Oliveira, Jefferson Barbosa e Thuane Nascimento. Texto originalmente escrito para Folha de S.Paulo

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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