Com tijolos e pratos quebrados, morador da Penha constrói quadros e muros em mosaico

Kaká de Oliveira, de 56 anos, descobriu seu lado artístico durante a quarentena causada pela pandemia de Covid-19
Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades
Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades

No Complexo da Penha, mais precisamente na Rua Itaúna, n° 24, a arte funciona como um caminho direto para a transformação social e pessoal. Pois, pelas mãos do artista Kaká de Oliveira, de 56 anos, recebe um significado essencial dentro da comunidade da Zona Norte: a acessibilidade cultural. Isso através da construção de quadros e muros na temática de Mosaico (um estilo artístico que utiliza pequenos pedaços de materiais descartáveis ou danificados, como pratos e cabos de fiação). 

Há dois anos e no auge da pandemia do coronavírus no Brasil, Kaká procurou uma atividade que o ajudasse nesse período delicado de isolamento social. Segundo ele, por ser uma pessoa ativa socialmente, a quarentena trouxe impactos severos em sua saúde mental. Pois toda a rotina dele, baseada em contato com outras pessoas, foi alterada. “Eu precisava me reencontrar de alguma forma, de fazer algo que me fizesse bem nesse período. Então, descobri a arte do mosaico e ela me abraçou, como uma terapia”, revela.

Manuseando tijolos, pratos quebrados, cabos de fiação e outros materiais descartáveis para a maioria das pessoas, o artista explora o mundo e a realidade da comunidade em quadros, escadas e muros. Para ele, que aprendeu de forma autodidata, cada obra sua leva de 30 a 60 dias de produção. De ferramentas, ele utiliza um pequeno alicate de corta fio e cimento para dar o acabamento. 

Teste 3

“Antes da pandemia, eu tinha uma vida totalmente diferente de agora. Sou amante do Surf e também praticava algumas corridas. Em uma delas, por exemplo, vi uma arte de mosaico lá em Copacabana e achei lindo demais, mas nunca pensei em fazer isso. Aí, chegou o coronavírus e me vi na necessidade de fazer algo por mim e me sentir vivo de novo. Decidi trazer para a favela esse estilo artístico”, explica. 

A partir desta decisão, Kaká elaborou um treinamento baseado no errar, acertar e aperfeiçoar na escada da própria residência. Ali, de degrau em degrau, ele realizava a arte do mosaico em busca de um refinamento melhor em suas técnicas. Sem nenhuma cobrança pessoal ou externa, observou atentamente o que funcionava no estilo que desenvolvia. 

 Os quadros e muros ainda não foram comercializados.
Foto: Selma Souza/Voz das Comunidades

“Você olha para a minha escada hoje e não imagina qual foi o processo que fiz aqui. De degrau em degrau, eu desenvolvi o meu próprio estilo de arte. Não fiz nenhum curso para aprender isso e por isso aprendi nesse método do acerto e erro. Cada degrau da escada foi um aprendizado. Fui me desenvolvendo, até ir para os quadros, desenhos, artes feitas pela casa e tudo mais”, detalha. 

Mesmo com obras tão únicas e que já receberam elogios de celebridades, como Fernanda Montenegro, Kaká não comercializa nenhuma das suas produções. De acordo com ele, por ser uma “terapia” pessoal, não acha justo cobrar por algo que realiza para se sentir bem. 

Além das obras realizadas em casa, Kaká também construiu uma escadaria colorida em frente ao seu endereço, semelhante à Escadaria Selaron da Lapa, na região central do Rio de Janeiro. Conforme diz o artista, a democratização cultural é uma ação que possibilita novos sonhos e objetivos dentro da favela. 

Visando esse objetivo de ampliação do acesso à cultura pelo Complexo da Penha e nas comunidades próximas, Kaká e sua filha, Victória de Oliveira, de 25 anos, construíram o Teatro Popular Morreba, há dois anos. Lá, as crianças e adolescentes aprendem tudo sobre apresentações artísticas, construção de roteiros, literatura, interpretação e mais técnicas relacionadas ao palco. 

“A arte é nossa vida. Todos os cantos dessa casa são preenchidos por ela. Minha filha teve a ideia de abrir um teatro durante a pandemia. Então, construímos juntos cada pedacinho. As obras em mosaico são um pouco disso também. Porém, o mais importante é ver os jovens com os brilhos nos olhos quando estão aqui”, destaca.

Atualmente, a iniciativa social tem cerca de 20 alunos fixos e já realizaram peças autorais nos últimos meses. Para Victória, o projeto é uma forma de devolver ao mundo toda a dedicação que seu pai investiu nela e na irmã – ambas estudaram teatro com o incentivo do pai. “Acho que a arte sempre esteve presente no meu pai. Quando mais nova, ele insistiu que eu e a minha irmã estudássemos sobre o teatro para entendermos melhor sobre o mundo e também sobre nós. Hoje em dia o teatro é minha vida”, comenta.  

 Juntos, pai e filha democratizam a cultura para as crianças e jovens do Complexo da Penha.
Foto: Selma Souza/Voz das Comunidades 

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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