Desde o início do ano, o aumento no preço dos alimentos tem sido notado pelos brasileiros. A cada mês os carrinhos saem do supermercado mais vazios. Itens básicos, e antes frequentes nas mesas, estão sendo vistos cada vez menos. A alta no custo da comida, apesar de atingir a todos, afeta com maior força os mais pobres. Na favela, não poderia ser diferente. Pessoas que moram em locais nos quais a vulnerabilidade social já é amplamente e comumente presente se deparam com um abandono cada vez maior e passam por necessidades mais profundas. Moradoras do Complexo do Alemão se preocupam ao falar sobre a segurança alimentar de suas famílias.
As consequências causadas pela pandemia de covid-19 são vistas pelo mundo inteiro. Mas, o Brasil tem se destacado quando o assunto é fome. Um estudo da Universidade de Oxford, com dados do Banco Mundial, mostrou que foi no Brasil que os preços subiram de forma mais rápida na pandemia. Por aqui, nos últimos seis meses, o número de pessoas pobres ou extremamente pobres quase triplicou. Atualmente, três a cada dez brasileiros vivem algum nível de insegurança alimentar, ou seja, falta dinheiro para comprar comida.
Elaine Nascimento, de 33 anos, é moradora da Matinha, no Complexo do Alemão, e fala sobre as dificuldades de comprar comida. “Sou doméstica mas no momento não estou trabalhando, moro com meus quatro filhos e se não fossem as doações que recebo, não sei o que seria de nós. Está tudo um absurdo de caro, não dá para comprar mais. Os preços precisam baixar”.
Os números impressionam
Teste 3
Em um ano, o quilo do arroz subiu quase 70%; o do feijão preto, 51%; o da batata, 47%; o da carne, quase 30%; e o leite, 20%. Em seis anos, esse é o mais alto nível de aumento no preço dos alimentos. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o recordista de aumento foi o óleo de soja, que teve alta de 83,79% no acumulado de 12 meses até junho. Se por um lado o consumidor sofre com dispensas cada vez mais vazias, estados e governo federal batem recorde de recolhimento. Na União, por exemplo, a arrecadação de impostos teve aumento real de 24,49% no primeiro semestre de 2021 na comparação com o mesmo período do ano passado. É a maior arrecadação em 14 anos (série histórica, iniciada em 2007).
O brasileiro não tem visto proteína animal na mesa. Comprar carne tornou-se privilégio. Segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de junho, o peito bovino teve aumento de 47,74%. Já o músculo e a paleta aumentaram 46,06% e 45,54%, respectivamente. A costela bovina ficou 45,22% mais cara. O lagarto redondo e o acém aumentaram 44,14% e 40,11%, respectivamente.
Frutas, verduras, legumes e hortaliças também estão mais caras. Segundo dados das Centrais de Abastecimento do Estado do Rio de Janeiro (Ceasa/RJ), o preço mais comum aplicado em setembro na caixa da banana prata, por exemplo, saltou de R$ 30 (com 18 kg) em 2020 para R$ 45 (caixa com 20 kg) em 2021. Ainda com dados da Ceasa, que é vinculada à Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária, Pesca e Abastecimento, a alface crespa que era vendida a R$ 10 (caixa com 6 kg) no ano passado, agora já é encontrada a R$ 15 (também caixa com 6 kg).
Cesta básica aumenta a cada mês
Nos últimos meses, os preços observados nas prateleiras dos mercados subiram em resposta à desvalorização do real, mudanças nos hábitos de consumo e ao aumento da inflação, aliados à crise econômica. A Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos (PNCBA) mostra que a cesta básica está, de fato, mais cara.
O PNCBA é um levantamento contínuo dos preços de um conjunto de produtos alimentícios considerados essenciais. Os itens básicos pesquisados foram definidos pelo Decreto Lei nº 399, de 30 de abril de 1938, que regulamentou o salário mínimo no Brasil e está vigente até os dias atuais. O decreto determinou que a cesta de alimentos fosse composta por 13 produtos alimentícios em quantidades suficientes para garantir, durante um mês, o sustento de um trabalhador em idade adulta. Bens e quantidades estipulados foram diferenciados por região, de acordo com hábitos alimentares locais. O banco de dados da PNCBA apresenta preços médios, valor do conjunto dos produtos e jornada de trabalho que um trabalhador precisa cumprir, em todas as capitais, para adquirir a cesta.
Atualmente, segundo a pesquisa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), realizada em em 17 capitais, o Rio de Janeiro tem a quarta cesta básica mais cara do país. Com base na cesta mais cara apresentada nessa pesquisa, que, em agosto, foi a de Porto Alegre (R$ 664,67), o DIEESE estima que o salário mínimo necessário deveria ser equivalente a R$ 5.583,90, o que corresponde a 5,08 vezes o piso nacional vigente, de R$ 1.100,00. O cálculo é feito levando em consideração uma família de quatro pessoas, com dois adultos e duas crianças.
Maria Rozineide Barbosa, de 36 anos, mora com seus dois filhos na Matinha, no alto do Complexo do Alemão, e nota que suas compras estão cada vez menores. “Hoje em dia quando entro em um mercado para fazer compra do mês a minha sensação é que não vou conseguir levar nada, o esforço é para comprar apenas o necessário e, às vezes, nem isso consigo”.
Mas por que a comida está mais cara?
Alguns fatores podem influenciar nessa conta. Na pandemia, o Brasil continuou exportando, enquanto outros países guardavam o estoque de suas produções. Com necessidade interna, pouca oferta para muita demanda, o preço subiu, impactando na inflação*. Para entender o efeito da inflação, primeiro é preciso compreender a alta nos produtos que servem como matéria-prima para fabricação de outros, como é o caso do milho, que são cotados em dólar. Com a alta desses produtos, chamados commodities, se tem dado prioridade ao lucro que o agronegócio pode gerar com a exportação, o que resulta em prejuízo para o mercado interno do país.
O equilíbrio entre exportação e armazenamento de alimentos para o consumo da população local é um dos fatores que ajudam a estabilizar os preços dos alimentos. Porém, a situação que o Brasil vivencia está tornando mais caro todo o processo, desde a produção até o consumo final. Esse aumento resulta nos preços observados nos mercados. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de agosto foi de 0,87%, a maior variação para um mês de agosto desde 2000 (1,31%). No ano, o IPCA acumula alta de 5,67% e, nos últimos 12 meses, de 9,68%, acima dos 8,99% registrados nos 12 meses anteriores.
Outro ponto que influencia os preços é a desvalorização do real em comparação ao dólar. Entre dezembro de 2019 e outubro de 2020, o real perdeu 28% do seu valor perante o dólar. De acordo com levantamento da Fundação Getulio Vargas, divulgado pelo BBC News Brasil, é o pior desempenho entre as 30 moedas mais negociadas do mundo, junto ao peso argentino.
A importância das doações
Com a alta no preço dos alimentos, ONGs, coletivos civis e instituições de auxílio adquirem um papel fundamental na sobrevivência dos mais pobres. “Estamos sem trabalho e as coisas só aumentam de preço. Sem as doações de cesta básica que recebo, não sei como seria, elas que nos ajudam. Precisamos de emprego, mas também precisamos de auxílio enquanto não conseguimos”, conta Elaine.
Apesar da reivindicação de que haja baixa nos preços dos alimentos, Maria também pede que as ajudas sejam mantidas. “Esse ano ficou mais difícil de fazer compras. Já trabalhei como atendente, operadora de caixa, balconista e cuidadora de idosos, mas, no momento, infelizmente estou desempregada, como milhares de brasileiros. Coloco currículo e não consigo nem uma entrevista. Quero trabalhar mas e até lá? Se as coisas ficarem mais caras que isso não sei o que vai ser de mim e dos meus filhos. A minha sorte é que recebo uma cesta da ONG (Educap). Se não fosse isso, sem trabalho, não saberia o que seria. Essa ajuda é fundamental”.