O combate antirracista do Brasil necessita redescobrir na África como suas raízes

O combate antirracista do Brasil necessita redescobrir na África as suas raízes

Foto: Reprodução
Por: Pedro Paulo Machado para PerifaConnection, na Folha de S.Paulo

Nestes tempos em que a luta antirracista vem ganhando cada vez mais destaque, é importante recordar-se de que tal luta também se dá no campo epistemológico, por meio da descolonização das mentes. Isso inclui, sem a menor dúvida, o aprofundamento dos saberes acerca da África para além dos preconceitos eurocêntricos.

Buscar as literaturas africanas de língua portuguesa é uma das maneiras que nós, brasileiros, podemos dialogar com as várias faces das culturas africanas que constituem umas das mais poderosas matrizes de formação cultural do Brasil.

A pluralidade é uma característica fundamental das literaturas africanas de língua portuguesa. A prática literária na África acompanha a multiplicidade de seus povos e culturas —muitos presentes dentro de uma mesma nação. Essa diversidade se reflete em obras literárias de países, como Angola, Moçambique e Cabo Verbe.

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Além do marcador linguístico, que passou por um processo de “africanização”, as literaturas em língua portuguesa, que também incluem São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau, têm algo em comum: o histórico de luta contra o mesmo colonizador. Estes são fatores que conectam as obras literárias desses países com as do Brasil.

A luta anticolonial, a libertação dos povos africanos, o erotismo e a relação com a aceitação do próprio corpo, a luta contra o racismo e o amor são assuntos que frequentemente estão presentes nessas literaturas.

As reflexões sobre o próprio fazer literário e o diálogo intercultural também compõem esse conjunto. O painel de temáticas é infinito e variado, além de refletir toda experiência humana no contexto da história recente dos povos presentes na África.

Obras como a de Noémia de Sousa, a “mãe dos poetas moçambicanos”; Alda do Espírito Santo, de São Tomé e Príncipe; Tenreiro, o primeiro poeta da negritude na África de língua portuguesa; e do angolano Agostinho Neto (só para citar alguns dos autores pretos de maior destaque) suscitam pontes e laços possíveis com a cultura afro-brasileira

Como não nos lembrarmos, por exemplo, da potência da música afro-brasileira e da resistência negra no Brasil quando ouvimos os versos de Noémia de Sousa: “mas seremos sempre livres/ se nos deixarem a música!/ Que onde estiver nossa canção/ mesmo escravos, senhores seremos;/ e mesmo mortos, viveremos.”?

De forma incontestável, as literaturas africanas de língua portuguesa vão muito além das obras merecidamente consagradas de Mia Couto, Pepetela e Agualusa. Trata-se de todo um universo literário, com variados mundos que ainda são muito pouco divulgados entre os leitores do Brasil.

Essa é uma ausência que se sente, inclusive na escola, nas quais tivemos poucos avanços em relação à inclusão efetiva de um ensino das raízes africanas do Brasil, mesmo que, há 18 anos, exista a lei 10.639/2003, que obriga o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira na educação básica pública e privada.

Dessa forma, fica o questionamento: até quando será tolerado este silenciamento acerca da dívida que a cultura brasileira possui com suas raízes africanas trazidas à custa de violência e da opressão do colonizador escravagista para o continente americano?

Esse silêncio só faz reverberar as desigualdades e ecoar o racismo estrutural que aqui ainda vigora, negando audição e maior destaque às vozes que exigem de forma justa o seu reconhecimento e inclusão. Vozes essas que encontram ecos inconfundíveis nas literaturas africanas de língua portuguesa.

Pedro Paulo Machado
Autor de “Introdução às Literaturas Africanas – A literatura nos países africanos de Língua Portuguesa”

PerifaConnection, uma plataforma de disputa de narrativa das periferias, é feito por Raull Santiago, Wesley Teixeira, Salvino Oliveira, Jefferson Barbosa e Thuane Nascimento. Texto originalmente escrito para Folha de S. Paulo.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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